Ótimo, aí nós temos um crossover entre os vários títulos do herói aracnídeo para formar um mega-evento de 14 edições em 1993 (há, tome essa Alan Moore com suas meras doze edições para Watchmen!) e cada vez mais personagens para aparecerem e desaparecerem sem muita lógica ou coerência (incluindo os pais do Peter Parker que, sim, eles voltaram em algum momento antes dessa história pois ficaram aprisionados na Rússia todo esse tempo) para contarem uma história em que basicamente tenta legitimar a ameaça do Carnificina como um grande vilão (não consegue) e capitalizar na ideia das tenebrosas e perigosas ameaçadas ameaçadoras à sociedade que são os assassinos psicopatas espreitando a cada esquina (que, sejamos francos, são uma ameaça bem menor proporcionalmente que idiotas bêbados com carteiras de motorista ou porte de armas).
Agora vamos ao contexto: Na década de 1990 as editoras vinham lidando com, bem, uma onda de mudança na tendência da produção de quadrinhos já iniciada principalmente nos anos 1980 com autores como Alan Moore, Neil Gaiman, Grant Morrison e companhia que vinham propondo reflexões mais complexas aos dilemas de super pessoas com colants se esmurrando. Dilemas éticos, filosóficos e morais passavam a tomar mais espaço que o vilão do mês (ou da vez), e parecia mais importante questionar onde reside o mal na mata ou a natureza de nosso fascínio pela violência no entretenimento que, bem, gente picada por aranhas radioativas enfrentando vilões com aquários na cabeça.
Isso foi produzindo mudanças leves num primeiro momento até reverberam em grandes rupturas com a busca por histórias mais 'realistas' como o Superman de John Byrne ou o Wolverine de Barry Windsor Smith, revisitando o passado dos personagens para estabelece-los para novos leitores, ou, mais importante, legitimá-los para leitores mais adultos e maduros.
Era inclusive parte da mudança para legitimar os quadrinhos como peça artística e literária relevante buscando não mais a visão de entretenimento barato para crianças ou semialfabetizados.
Concomitante a isso, no entanto, artistas como Jim Lee, Todd McFarlane, Marc Silvestri e bem, uma leva de artistas ruins que adoravam desenhar moças de biquininhos ínfimos (e fariam de tudo para incluí-las nas histórias fizesse isso sentido ou não), armas gigantescas e violência desenfreada começavam a ganhar também cada vez mais espaço e popularidade na indústria de quadrinhos.
É aí que a gente vê a diferença entre Alan Moore escrevendo em poesias e haikais em Monstro do Pântano e David Micheline ou Larry Hama (sabe, o criador da Elsie Dee?) com vilões sanguinuszóio!!!
Tudo isso parte para uma condição disforme dos quadrinhos que buscando aumentar as vendas tentam questionar dilemas éticos e morais de seus personagens enquanto buscam artistas ruins que desenhem mulheres em trajes ínfimos e armas gigantescas (além de violência gratuita e desnecessária sempre que possível). E o resultado é esse rompante de histórias perdidas e confusas que não sabem direito o que são ou querem.
Não são adultas e inteligentes como as histórias do selo Vertigo mas também não apresentam os heróis em aventuras interessantes como histórias de décadas anteriores, que até podem ser descartáveis e entretenimento barato, mas, sinceramente, Dennis O'Neil em seu pior dia na década 1970 faria algo mil vezes melhor que David Micheline em seu melhor dia na década de 1990...
Nisso temos no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 buscando conciliar essas visões (a mais inteligente e cerebral à Alan Moore e a das armas gigantescas e boazudas de biquini do Jim Lee) com as revisões sombrias dos personagens, com A Queda do Morcego, A Era do Apocalipse, Crepúsculo Esmeralda, A Morte do Superman e, claro, Carnificina Total (e, sim, ainda existem muitas outras).
Carnificina Total segue com a narrativa dos 'Anti-Homem-Aranha' como Venom e agora o vilão tenebroso e psicótico Carnificina (que é o Venom Vermelho, mas na lógica aqui seria o Anti-Venom e isso faz dele o Anti-Anti-Homem Aranha?), para um questionamento sobre a moralidade e se existe espaço para um Homem-Aranha num mundo violento como o que vivemos que quer heróis psicóticos e assassinos... Menos feijão e mais armas e por aí vai.
Só que, e, eu realmente não consigo dizer isso o suficiente... A história não se esforça a fazer sentido ou a buscar argumentos coerentes.
Carnificina aliado a outros vilões asquerosos segue praticando uma enorme chacina no Central Park e, bem, onde estão os Vingadores (ou o Quarteto Fantástico ou, droga, os Novos Guerreiros pelo que valha)? Parece que é única e somente responsabilidade do Homem Aranha enfrentar essa terrível e tenebrosa ameaça... E, o que é pior, nós nãos vemos sequer uma explicação decente do porque essa É uma ameaça tão terrível e tenebrosa.
O vilão está na cadeia no início da história, e não se gasta um mínimo de tempo ou esforço para explicar e contextualizar porque, bem, ele não é objeto de estudos de cientistas do nível de Reed Richards para remover totalmente o simbionte alienígena de seu corpo (mesmo se isso significar matar o simbionte alienígena OU o assassino em série e psicopata hospedeiro). Não há uma tentativa de produzir algum argumento para qualquer desses pontos.
Nem antes, nem durante, nem depois da história. Não, não... Ele estava numa dependência chamada Ravencroft (que, era pra ser o equivalente para o Asilo Arkham) e após a história volta pra lá e tá tudo certo.
E isso é meio importante para justificar toda a matança desenfreada que segue nas páginas do evento - inclusive porque eles tentam forçar guela abaixo a 'trágica' criação do vilão e como incitar grupos raivosos para violência
Ou porque o Homem-Aranha se vê tão impelido a lutar e continuar lutando ao lado de Venom e Morbius quando ele podia, sei lá, CHAMAR OS MALDITOS VINGADORES e curtir uma noite de sono ao lado da esposa modelo internacional, pqp!
Ou porque o dramalhão aracnídeo - que é meio que um pastiche típico da época, com todo o machismo, estupidez e condição tipicamente republicana e idiota espumando da boca do personagem (que tenta sair ao final da narrativa como a voz da razão). Em outras hqs o drama é da Mary Jane ganhar mais dinheiro que Peter, ou da Tia May doente (de novo) e sem dinheiro (de novo), enquanto aqui são os dramalhões do retorno dos pais (tan-tan-tan), as discussões com Mary Jane porque Peter não deveria correr os riscos de lutar com tantos vilões (o que ele não deveria mesmo, e ela está certa - mas a história vai justificar que quem está certo é Peter ao colocá-la diretamente em rota de colisão com os vilões e só viver para contar a história porque seu marido estava heroicamente lutando!) e mais alguma ou outra subtrama idiota que se segue (como a Gata Negra que só está com o Flash Tompson para fazer ciúmes ao Homem Aranha e coisas do tipo).
Ou, e essa eu acho realmente importante, porque existia (e eu acho ainda existe) essa ideia que um monstro assassino seria capaz de incitar uma turba violenta tão facilmente para ir às ruas saquear, matar e cometer todo tipo de crime e atrocidade... Essa é uma das subtramas correntes para que os personagens terciários (ou a ala geriátrica capitaneada pela Tia May e os pais do Peter) tenha alguma função na história. Só que isso é tão constantemente usado - e mal usado, diga-se de passagem - como se uma pessoa honesta que trabalhou duro a vida inteira fosse demitida e resolvesse recorrer à violência porque afinal de contas um vilão do Homem Aranha sugeriu isso...
Ainda mais quando é um vilão maníaco homicida que está destruindo tudo e matando dezenas de civis inocentes que está incitando essa violência!
Vamos resumir: É ruim, não faz sentido (nem fazia na época) e tampouco é interessante ou vale pelo registro histórico.
Mas, ei, por algum motivo bizarro e que não faz muito sentido, a Marvel lucrou muito vendendo vários vilões idiotas como Arcade, Mojo e Carnificina na década de 1990 e hoje reclama que os quadrinhos vendem mal por que tem muitas minorias nas séries...
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