Pesquisar este blog

23 de janeiro de 2020

{Resenhas em Quinta} Homens relógio - HBO

Ou uma fanmovie com grande verba e produzida pelo conglomerado que vem canibalizando a obra original por mais de três décadas agora. Quase a mesma coisa.

Watchmen é um dos seriados mais idiotas que eu assisti em 2019 e ainda estou tentando entender o que diabos foi que eu assisti (além de um fanmovie com grande verba e produzido pelo conglomerado que vem canibalizando a obra original por mais de três décadas agora, obviamente).
Pra quem não sabe exatamente o que eu quero dizer com isso, entenda brevemente a história da série em quadrinhos e como a DC (Warner e todo o restante do conglomerado) vem canibalizando a obra e buscando novas e diferentes maneiras de ferrar o autor original da história.

Basicamente a história é a seguinte: A DC querendo aproveitar os direitos recém-adquiridos de alguns personagens da Charlton propôs à Alan Moore escrever alguma história para inserir esses personagens no novo universo DC após Crise nas Infinitas Terras em 1985.
Com os primeiros esboços do roteiro, ficou claro que o material seria bem mais adulto e mais complexo de seguir em uma estrutura mensal que permitisse capitalizar sobre os personagens da Chartlon, e sugeriu que Moore criasse personagens análogos (Comediante no lugar do Pacificador, Rorshach no lugar do Questão e por aí vai), e como parte do acordo pela criação destes personagens análogos e da hq, os direitos da história iriam para Moore e Gibbons (o artista da série) terminado um ano da publicação da história.

Tudo muito bem até aqui, certo? A hq terminou sua publicação em 1987, e, com isso em 1988 Moore esperava ter os direitos autorais revertidos para que ele fizesse o que bem entendesse com o material - se é que de fato faria alguma coisa - mas, com base em tecnicalidades a 'publicação' da hq continuou a acontecer com novas tiragens, novas reedições e algo até então praticamente inédito nos quadrinhos americanos, a publicação de encadernados (e encadernados de luxo, e versões do diretor e etcs).
Em suma, a história nunca deixou de ser 'publicada' desde então e com isso, na base de uma tecnicalidade, a DC reteve os direitos da história.

Só que as coisas se tornam piores quando Paul Levitz deixa a presidência da editora, passando a Geoff Johns o controle da empresa, e, logo em sequência passam a surgir novas histórias no universo de Watchmen (que são todas dispensáveis até dizer chega), sai o filme que grita Zack Snyder a cada cena (assim como grita que o diretor não entendeu exatamente o ponto e propósito da hq), jogos de videogame (sim, um beat-em-up bem do sem vergonha) e toda merchandising que se possa imaginar, ao que com isso chegamos a 2018-2019 com as duas continuações da série de Alan Moore sob a forma do seriado para a HBO e a hq de Geoff Johns Relógio do Juízo Final.

O Relógio do Juízo Final de Johns é um lixo que mal serve para forrar gaiola de passarinho, com um argumento ridículo, caracterizações risórias e um crossover sem propósito entre o universo de Watchmen (realista, pessimista e altamente complexo) com o universo DC (colorido, otimista e geralmente simplista), e, bem você tem exatamente o que poderia esperar: Uma história sem pé nem cabeça, propósito ou minimamente competente.

É ruim por não servir a um propósito lógico em estabelecer que a única forma de continuar Watchmen é colocar esse universo em contato com um universo paralelo altamente diferente... Mas mesmo assim ainda existem algumas metades de ideias aqui e ali que são no mínimo coerentes com o universo original da história de Moore (principalmente no que tange o Doutor Manhattan tentando criar um universo e agindo essencialmente como um deus indiferente).

A série, por outro lado, não consegue nem isso.
Como continuação da hq, ela de início parece envergonhada do passado de quadrinhos e parte para uma história minimamente tangente - que menciona fatos brevemente, e tangencia-se na narrativa de Alan Moore para construir uma narrativa própria. Eu poderia respeitar isso...
E francamente existe alguma coisa minimamente inteligente ali num argumento coerente e atual sobre racismo em nossa sociedade e, bem, nossa enorme tolerância ao mesmo. Existe um comentário inteligente sobre o racismo na sociedade super heroica (que reflete de maneira bastante direta na forma como enxergamos etnias e minorias mais como ameaças que como figuras salvadoras) e até mesmo sobre a ideia da visão simplista (e idiota) que compõe a mente (ou falta dela) de um racista.

Como eu disse, eu poderia respeitar isso.
Aí eles inserem a Hank Scorpio vietnamita, e o mecha-senador-Hitler, e um plano ridículo de como uma sociedade análoga à KKK pretendia usar filmes para controlar as mentes das pessoas (viu, eles não são racistas de verdade... São os filmes que assistem!), e aí começam a pulular os personagens envelhecidos da hq (Ozymandias e a Espectral) em tramas que não empolgam, e, mais que isso, parecem diametralmente opostas ao final destes mesmos personagens na hq (Ozymandias parece perplexo com o mundo que criou e começa a se questionar, vendo-se cheio de dúvidas, enquanto a Espectral finalmente deixa o passado para trás e começa a viver uma nova - e simples - vida).

Suas histórias no seriado não condizem com seus finais na hq, mas, em lugar alguma essa situação fica mais evidente que na história do Dr Manhattan que assume novos e bizarros níveis de idiotia (somente para justificar uma piada idiota sobre ejaculação precoce, saca?), mas pelo menos isso se desenvolve melhor para chegar a uma conclusão em que dois grupos simultâneos de vilões (sim, a Hank Scorpio vietnamita e o mecha-senador-Hitler) tem como seus objetivos simultâneos e concomitantes o plano secreto de roubar os poderes do Dr Manhattan!

Realmente, uma obra prima da televisão moderna!
Só falta mesmo terminar com uma piada ridícula enquanto um personagem novo que copia vergonhosamente Rorshach surpreende, engana e derrota Ozymandias (o homem mais inteligente do mundo)... Quer dizer... Eles não fariam isso, né?
Né? NÉ???!!???

E aí eu me pergunto: Com um começo promissor e ideias inteligentes, porque não explorar com base nelas e seguir a partir dai para construir um debate mais interessante...?
Porque não seguir os debates sobre racismo que Ta-Nehise Coates propôs em livros como Entre o Mundo e Eu, ou da brilhante obra de Octavia Butler que ganhou uma ressurgência nos últimos anos...? Porque Watchmen em uma tentativa sem vergonha de continuar a capitalizar com uma obra produzida há quase três décadas quando não existe uma história interessante, inteligente ou coerente para se contar?

A mesquinharia é uma força muito poderosa neste século XXI, e, sem sombra de dúvidas não será a última vez que veremos algo idiota e sem propósito assim feito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário