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26 de janeiro de 2020

{Editorial} Mas não é o ponto de uma adaptação...?

Sei que quem leu minha resenha de Watchmen da HBO (eu, inclusive) talvez tenha ficado com aquela pulguinha atrás da orelha e pensando constantemente: "Mas não é o ponto de uma adaptação, bem, 'adaptar' o material e dessa forma transformá-lo de uma mídia para outra...?"

E, sim, esse é o ponto.
Mas quando Douglas Adams adaptou "O Guia do Mochileiro das Galáxias" do rádio para a versão impressa, a essência das piadas e dos absurdos ainda estava ali com a ênfase da narração na construção das cenas.
Quando tentaram levar para o cinema, a narração quebrava o fluxo da história, e o negócio todo degringola e perde a graça (mesmo sendo a mesma história). A mudança de mídia, mesmo que usando o mesmo conteúdo, faz com que se perca parte substancial do que caracteriza o material.

Pense em adaptar a pintura da capela Sistina em uma história. Você pode contar a história da pintura (de como ela foi feita, de todo o processo real, da escolha das tintas e etcs) ou você pode contar a história contida na pintura (do que a arte está evocando e tentando transmitir) e até mesmo outras soluções e condições mais estranhas, imaginativas ou fora da casinha (sei lá, as imagens ganhando vida para combater as forças do mal que estão surgindo para destruir o mundo ou algo do tipo), mas nessas três versões (o processo, a figura e uma extrapolação comercial) existe uma enorme mudança no material e por conseguinte na percepção do espectador.

Talvez eu venha a apreciar mais a obra de arte conhecendo sua história, métodos e como ela foi elaborada, ou talvez o exato oposto ocorra. Mas nesse caso eu estou de fato COMPLEMENTANDO a obra, e, num contexto de adaptação, esse é o melhor cenário e dificilmente tem como errar.

Na segunda versão, as coisas tendem a ficar mais complicadas. Ou você esbarra no cenário em que precisa aglutinar fatos e condensar uma experiência para algo que seja facilmente digerível e acessível a um grupo e escopo maiores, de modo que muitas generalizações, simplificações e facilitações ocorrem para que algo abrangente e, muitas vezes ambíguo, se torne mais literal e direto (de novo, visando um escopo maior de espectadores). Aqui caímos no clichê de que 'o livro é melhor que o filme' em que parece que o original apresenta um escopo mais complexo e desafiador que a adaptação que pensa somente em ganhar dinheiro...
Que é basicamente o que o terceiro tipo de projeto faz, mas de forma mais descarada (tipo os Transformers do Michael Bay). 

Mas ainda no segundo grupo, existe um potencial para fazer algo diferente, para expandir numa história e criar algo maior, melhor e mais interessante. Veja Aliens de James Cameron contra Alien do Ridley Scott, ou Blade Runner do mesmo Scott contra Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas? do Phillip K Dick.
A personalidade das histórias ainda está ali intacta, e a adaptação (ou continuação) pensa somente em expandir o material e buscar acrescentar e vislumbrar novos horizontes.
Isso é a essência de uma boa adaptação.

Só não é o que Watchmen da HBO faz. A essência da hq reside no fatalismo, na inescapabilidade do passado e num constante jogo pessimista de derrota e conseqüências, enquanto a série explora o passado como um ponto de ruptura que deve permanecer lá enquanto voamos para um novo horizonte com uma tendência otimista (droga, no final tudo dá certo pra todo mundo MESMO com um número substancial de mortos) e, em vários pontos se parece muito mais com 'My Hero Academia' (inclusive com a sucessão de poderes) que com Watchmen...

Droga, mesmo a concepção do trabalho se perde conforme fica claro (ou cada vez mais claro) que quem escreveu o material não entendeu ou não gostou da obra de Alan Moore. É só ver todo o trabalho para justificar a conclusão de Dr Manhattan na obra de Moore (que parte para o universo para criar vida e descobrir os segredos do universo) com uma piada sobre ejaculação precoce.

A partir daí você pode tirar suas próprias conclusões, não?

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