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23 de julho de 2015

{RESENHATORIAL DE QUINTA} As bizarras aventuras românticas de Constantine

Essa é uma resenha sob a forma de editorial (ta-da), e explico antes de mais nada o motivo.

Às vezes é muito fácil ignorar os mecanismos existentes para a formação dos equipamentos que usamos. A engrenagem que move o relógio ou a plaquinha minúscula do chip do cartão de crédito.
É muito fácil não se importar com o grau de sofisticação exigido para que algo tão banal (hoje) chegasse a esse ponto banal, e a enorme quantidade de tentativa e erro para chegar aqui, e, principalmente porque os erros são em sua grande maioria bem pouco públicos.
Sabemos da história de Edison e a lâmpada, mas como ele mesmo disse, ele não fracassou 'n' vezes no processo - apenas achou maneiras nas quais ele não funciona.

Com a literatura e a mídia em geral, os fracassos são um pouco mais públicos.
Ainda que um rascunho, uma primeira versão ou outros protótipos muitas vezes jamais cheguem ao conhecimento popular por morrerem nas mesas de editores, o que passa por essa barreira chega diretamente ao escrutínio público (alguns farão a diferenciação entre público e crítica, ao que acho irrelevante nesse ponto), e esse gostará ou não e reagirá de acordo.
Mas a mesa de editor não é mais uma barreira hoje, graças à internet.
Projetos natimortos chegam à rede através de roteiros perdidos (exemplos não faltam, como o roteiro para o finado filme de Tim Burton com o Superman ou o Homem Aranha de James Cameron), ideias são jogadas ao ar para ver quem se interessa em pescar (e até porque não, bancar a pesca através de financiamento coletivo como o Kickstarter ou o brasileiro Catarse) e como no caso desse blog chegam ao ar sem ao menos passar por um corretor ortográfico (e vai por mim, eu não sou exceção)...

Porém, o cenário de negócios ainda não atribui à essa condição virtual o potencial que ela tem hoje ou enxerga os futuros potenciais que podem encontrar, e bem, tudo ainda funciona ou tenta funcionar sob o velho status quo.
Alguém da grande e poderosa empresa escolhe o projeto que vai abraçar, destina a fulano tanto e tanto de recurso para produzir e fulano responde a subsidiária da empresa sobre os sins e nãos a que deve atender.
A criatividade vem de baixo e acaba travada pelas imposições de cima, e sobra ao criativo acatar para ver seu projeto ganhar vida ou aguardar para ver no que ele se transforma, até porque em alguns casos, o criativo não precisa nem vir com a ideia.

Caso em ponto: Constantine, recém re-relançado pela nova condição editorial da DC Comics.
O personagem já existe, a editora quer uma série lançada e publicada mensalmente e cabe ao autor aceitar as condições e imposições pré-definidas para que ele seja aceito a embarcar.
Algumas condições pré-definidas são claras (o personagem já existe, portanto já existe a fundação que o estrutura - se é homem ou mulher, se é alto ou baixo, se tem pais vivos ou não) outras nem tanto, que dependem de fatores externos (como no caso o Comics Code que era uma pré-censura bastante restritiva que limitou severamente os quadrinhos norte-americanos a partir da década de 50 e só atualmente ele foi abandonado, dentre as quais havia exigências de decência que obrigavam personagens a não se divorciar - sim, é por isso que o Homem Aranha fez um pacto com o demônio ao invés de preencher um pedaço de papel num cartório) e internos (como no caso das estruturas editoriais que vão limitar uso de violência, palavras de baixo calão, situações provocantes e insinuantes e etcs).

Geralmente o que acontece nesse tipo de situação, uma vez que as exigências de mercado são pré-definidas, é que o editor convoca um número de indivíduos e pede deles uma proposta para a abordagem da série x que eles querem desenvolver.

Por exemplo, se algum dia me fosse oferecida (um)a série mensal do Superman, minha proposta é bem simples: Focar em Clark Kent, examinando o mundo sob a ótica pé-no-chão (destaque aos hifens para contrastar na condição que o Superman voa e Clark não) de um repórter ordinário tentando viver no conturbado mundo editorial, caçando matérias e fazer um nome para si enquanto tem oportunidades para o extraordinário quando é necessário.

Se isso seria um sucesso de vendas ou qualquer pessoa além de mim gostaria de ler uma história do Superman sem o Superman, bem, isso importa? Duvido seriamente que havia um enorme mercado para histórias sob caça de baleias antes da publicação de Moby Dick...


Ainda assim, é importante destacar que essa estrutura que eu apresentei é bastante preguiçosa, ao trabalhar com uma condição desconstrutiva para buscar um aspecto novo ou pouco representativo dentro desse conjunto.


Claro que alguns autores fazem isso com primazia (Alan Moore com seu Monstro do Pântano ou Neil Gaiman com Sandman) enquanto em outros casos, bem, temos o novo Constantine.
O que me incomoda nessa nova abordagem é o quanto ela não se parece com a abordagem tradicional do personagem.
Os autores esmiuçaram em autópsia o personagem para encontrar aquele nicho que os agradou e encontraram na sexualidade de Constantine um objeto para mostrar luz e diferenciar suas histórias...
Particularmente, não acho que haja nada de errado com isso, só não me pareceu orgânico no roteiro como foi conduzido, e, principalmente, não parece a leitura de uma história do personagem (o que é meu maior problema com essa condução).

Constantine sempre age como o homem descolado, frio e impassível. Sempre em controle da situação mesmo quando todo o universo está a desabar, e ele é um enorme canalha que vai enganar e usar todo e qualquer um que cruze seu caminho para seu objetivo.
Essa é sua natureza, e, portanto, a exploração de sua sexualidade parece uma ferramenta lógica.
O que me incomoda na condução presente é que ele parece uma colegial cheia de hormônios de um desses filmes como Garotas Malvadas... E isso não se parece com a imagem fria e impassível e descolada.
Isso quase parece outro personagem.

E antes que alguém tente apontar o dedo para mim dizendo que esse é um pretexto homofóbico, destaco que Constantine é bissexual desde bem antes de 2015 e dessa nova série. Eu, enquanto leitor tenho sérias suposições que já em 1985 quando o personagem foi apresentado por Alan Moore ele já tivesse a clara noção da orientação sexual do mago canalha.
Mas destaco novamente o Comics Code (se divórcio era tabu, imagine o quanto Friederich Wertham e seus asseclas revirariam nos túmulos por conotações homossexuais/bissexuais) e era um mundo diferente em 1985 com essa situação mais nas entrelinhas até uma clara exposição na edição 51 da série Hellblazer em 1992, imagem ao lado.

E isso fez parte do personagem em outras ocasiões e momentos... Ainda que mais nas insinuações e declarações que qualquer outra coisa... Até o Brian Azzarello colocar o Constantine para caçar um ex-namorado maníaco nos EUA...

Talvez o grande diferencial seja (ou possa ser) de mostrar um relacionamento feliz entre Constantine e outro homem, mas, até aí, mesmo seus relacionamentos com mulheres não foram tão felizes assim... Todos terminaram com traições, lágrimas e tentativas de homicídio... Então a ótica de um relacionamento estável, funcional e duradouro também não é característica do personagem.

Ainda que a atual série seja bem melhor escrita que a de Ray Fawkes (que fez do personagem um super herói mágico - o que é ainda mais uma descaracterização), falta um pouco de maturidade aos autores para buscar um argumento melhor e produzir como resultado uma leitura mais provocante e desafiadora (como a Vertigo vinha fazendo quase 30 anos atrás quando a série Hellblazer nasceu)...

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