(Com a estréia do filme no Brasil, pareceu apropriado...)
Sempre me perguntam: Porque escrever ficção científica?
Depois de explodir e ricochetear pela sala umas nove ou dez vezes eu respondo:
Porque não há nada mais para escrever!
Se nós somos pessoas de ficção científica vivendo em um ambiente de ficção científica, você vai escrever sobre gente vivendo em cavernas, da invenção da roda? Ou sobre uma justa¹ no dia em que a Távola Redonda arthuriana se despedaçou nas juntas? Dificilmente... Ou somente como eu vinha dizendo todas as anteriores se relacionam aos tempos, os inacreditáveis tempos em que vivemos.
O que me leva a Superman e sua história. Ele não nasceu, muito mais tempo que o de minha própria vida, durante a invenção da roda, mas alguém poderia dizer que quase. Porque quando se considera a primitiva história dos longevos anos 30 (do século passado), a América moderna mal estava caminhando por aí com seus recém-nascidos pés de robô. A televisão era um vago negócio eletrônico passeando sobre algumas poucas cidades da Terra, esperando pra se sintonizar. A barreira do som permanecia irrompida. Os jatos não haviam gritado pelos céus do mundo; teco-tecos transatlânticos levavam apenas uma pequena quantia de turistas por dia através dos mares. A maioria dos camaradas ficava em casa. O rádio era a cera comum da orelha do vox populi. Filmes no cinema raramente eram "coloridos". A tela plana para os cinemas já inventada não era usada.
No meio de todas essas tecnologias semi-inventadas, Superman desce dos céus. Porque o acolhemos?
Porque o Superman é nós e nós somos o Superman. Seus problemas podem ser maiores que os nossos, e ele pode resolvê-los com certa facilidade, mas nos conectamos na simples progressão de sonhos que se tornam máquinas para mudar a história. Estamos cercados de tecnologias tão familiares que soam clichês, então as ignoramos. O automóvel é uma das maiores revoluções da história; Tão benéfico quanto um trastorno. No entanto caminhamos por através dessa revolução, vendo-a matar 150.000 pessoas a cada quatro anos². Uma guerra maior, sim? E como ignoramos a batalha, existem tempos em que Superman precisa nos lembrar dos batalhões e exércitos de veículos que nos agradam ao mesmo tempo que nos destroem.
Ousaria eu oferecer algumas ideias de histórias para o Superman no presente e no futuro próximo? É tentador. Pois cada vez que eu leio um jornal ou assisto à TV existe alguma nova tecnologia surgindo do chão ou atravessando os céus, com cientistas e advogados observando ou perseguindo até, tentando fazer a Lei para Romper-a-barreira-do-som ou Lei sobre o Espaço (quem é dono do ar ao redor e acima do que?). Como nós cartografamos, mapeamos, e comercializamos terrenos por fatias na Lua? De quem é o direito de iniciar o plantio³ em Marte?
Que dizer de Jon-Erik Hexum, aquele jovem ator que acidentalmente atirou em si próprio com uma bala de festim, sofreu dano cerebral, morreu, mas hoje seu coração bate no peito de um jovem negro em algum lugar do mundo? Se a mãe daquele ator tivesse procurado pelo Superman na noite antes de Natal e dito que ela gostaria de encontrar com o jovem negro, para visitá-lo por um minuto na véspera de Natal e poder ouvir o pulsar do coração de seu filho batendo, Superman a ajudaria? Um dilema moral, com certeza. Poderia a mãe sobreviver a tão triste encontro? Como esse jovem negro se sentiria com essa mulher surgindo do nada para ouvir seu pulso em uma noite enevoada?
Ou...
Surgiram dezenas de milhares de artigos nos últimos seis anos sobre pesquisa genética. Cientísticas, brincando com a caixa-de-areia de genes e cromossomos, imaginaram se em algum dia através de experimentações com DNA eles poderão reconstruir um tiranossauro rex a partir do mínimo fragmento de sua pele. Chegará o dia em que os zoológicos do futuro estarão repletos de pterodáctilos, estegossauros, e o grande brontossauro?
Superman visitaria tal zoológico, mantido por algum cientista quase-louco? Ou ele já o fez, e eu perdi tal edição com essa aventura?
Adiante e adiante segue.
Ano passado uma mãe morreu, mas seu corpo foi mantido funcionando por 63 dias através de maquinários. Porque? Para que seu filho não-nascido pudesse concluir seu crescimento e então nascesse; A vida surgindo da morte. Um evento incrível, com sucesso.
Superman, conosco, segue em uma tempestade de raios-e-trovões de ideias que nos bombardeiam tão ferozmente que ainda nem tivemos tempo de julgar as revoluções que nascem durante a noite para mudar nossas vidas para sempre. A revolução do computador. Do video cassete. O foguete. Guerra nas Estrelas (4); Versões americanas e russas. A missão Apollo. A própria televisão, que se tornou muito mais um membro da família que mal a notamos sentada ali, balbuciando enquanto sofre de sonambulismo.
Bem, aí está. Faça sua própria lista. Superman é a soma de tudo que somos e nos tornamos desde que os Ludistas (5) marcharam em fábricas escocesas 175 anos atrás para bater em máquinas que estavam roubando seus empregos. O Superman não poderia surgir mais cedo, ou ao menos não completamente, até que todas nossas crianças robôs tivessem finalmente florido mecanicamente até sua completitude. Se ele é o Homem de Aço, então somos seus compatriotas de ferro, tentando compreender como diabos se lida com outra e outra invenção que segue para o nosso mundo e nos derruba através das paredes.
Eu acredito que gostamos dele porque ele faz coisas que só sonhamos poder fazer, ou levamos tempo demais para fazer: Resolver problemas.
Enquanto estamos ocupados demais desligando nossos aparelhos televisores porque o clima tecnológico visto é muito de um quebra-cabeças, nos distrai ou confunde demais, Superman parte e vai até o cerne do problema. Entre o agora e o começo do século vinte um, será fascinante ver se seremos capazes de encontrar as soluções por conta própria, sem pedir seu auxílio.
Enquanto isso, uma celebração. Ele sobreviveu por cinquenta anos em nossa imaginação. Bem, todos nós, sobrevivemos a um incrível período de cinquenta anos que alavancou muito da população do mundo do século quinze para o século vinte. Com sorte, nós permaneceremos até o momento em que iremos voar ao século vinte um, para viver na Lua, Marte e além.
Superman acompanhará tudo isso.
Não. Ele estará lá esperando por nós.
¹ Pra quem não sabe, Justa é o nome daquela competição medieval em que dois cavaleiros armados de lanças tem de acertar o oponente e/ou derrubá-lo.
² Sim, as estatísticas são meio velhinhas...
³ North-forty é um termo relacionado a expansão agrária nos EUA, relacionado a um ato legal de 1862 que dava direitos de posse de terra com propósitos agrários de terras com 160 acres de área pública não ocupada. É como uma reforma agrária - só que beeeeem diferente.
(4) Não vou fingir que entendi a citação... O projeto militar é de 1984...? Seria do filme?
(5) Ludistas se refere a um movimento (Ludismo) contra a mecanização do trabalho durante a revolução industrial.
O texto original nas imagens tiradas da introdução do volume 1 de Man of Steel, série que reiniciava as aventuras do Homem de Aço nos anos 80, na íntegra reproduzido abaixo:
Para concluir, com uma pequena notinha minha, eu sempre gostei muito do personagem.
Há algo no otimismo gritante de um homem que pode fazer tudo - e não pura e simplesmente porque ele é capaz, mas porque ele realmente acredita e se esforça ao limite. Sempre com um sorriso no rosto e uma expressão reconfortante a quem precise de ajuda, o Superman surge para salvar a todos nós.
E como não gostar de alguém que estará lá para nos acudir quando precisarmos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário