Tirando as tentativas de parecer esperto citando personagens e histórias de Edgar Allan Poe (amontillado, amontillado!) aqui e ali, que eu não vou considerar além desse parágrafo (mas que, sim, irritam só o suficiente para não passarem impercepitíveis e ficar bem claro que os produtores do show querem mostrar que fizeram seu dever de casa - mesmo que seja só uma busca na internet por palavras chave), é visível desde o primeiro episódio de que existe algo genuinamente interessante aqui.
Não que funcione sempre ou que não funcionaria melhor com um pouco menos, como com as ideias recicladas da indústria farmaceutica que tanto Matthew Broderick quanto Rosario Dawson já cobriram, por exemplo, não funcionam tão bem porque os autores não fizeram muito bem o dever de casa, e o assunto fica mais para palavras chave que algo que de fato funcionaria - ou faz sentido. Mas, verdade seja dita, palavras chave para parecer mais inteligente aparecem diversas vezes ao longo do seriado em situações que simplesmente distraem (e desviam do assunto principal) do que funcionam e agregam algo para a história ou personagens, ou efetivamente são de fato interessantes.
O que eu quero dizer é que existem problemas que tergiversiam do foco da história principal (que é a família Usher e a terrível "tragédia" - e sim, tragédia entre aspas porque existe uma explicação mais sinistra e terrível - que eliminou seus herdeiros em um intervalo curto de semanas), e que podem desviar demais da narrativa, e, mais que desviar da narrativa, tiram o foco dessa história, principalmente para cenários que, sejamos honestos nem de longe funcionam ou são tão inteligentes quanto os executivos da série acreditam que são (mais para O Ídolo da HBO, abusando de palavrões e sexo para parecer adulto do que, sei lá, Succession que também usa de palavrões e sexo mas de fato é adulta), mas quando o material acerta, puta merda, o material acerta.
No primeiro episódio isso fica bem claro com a entrevista entre Roderick Usher e Dupin na casa abandonada, principalmente quando a cena tenta distrair o espectador de algo no cenário - e que é discreto, simples mas muito bem feito e realmente assustador. E funciona brilhantemente no contexto da cena, o que faz com que seja ainda melhor. O mesmo ocorre em outras cenas com Verna (Carla Gugino, que rouba a cena toda vez que aparece), e o mistério de fato é interessante, assim como a trama principal.
Infelizmente a trama principal, os acertos e a Carla Gugino são só o tutano que sobrou do que poderia ser uma ótima refeição.
E, honestamente eu não quero criticar os atores - ainda que mesmo atores talentosos como Mark Hamill estejam apagados enquanto outros tem vários problemas com cadência ou expressões que não parecem combinar com o tom ou a cena - é preciso reconhecer que existe algo aquém do necessário para que o material funcionasse. O problema é que genuinamente nesse caso eu não consigo imaginar mesmo com o melhor elenco possível e imaginável, que conseguiriam salvar a coisa toda (de novo, mesmo Mark Hamill que é geralmente ótimo e rouba a cena em pequenas participações como em O que fazemos nas sombras, está apagado e sem nenhum destaque em sua performance), até porque o problema aqui se divide nos frontes do roteiro pobre e da direção fraca.
O roteiro pobre não consegue criar nos personagens características únicas, distintas e interessantes. É possível descrever a todos os oito Usher como manipuladores, cretinos e escrotos, com pequenas variações (como um que é idiota e tem um rabo de cavalo e outra que é negra e careca) e além de citações obrigatórias a obras de Edgar Allan Poe, esses personagens não carregam qualquer característica marcante ou relevante, além de arrastar a história para que esse ou aquele filho Usher tenha seu momento. Ainda assim também não cria situações interessantes ou dinâmicas que façam destes personagens interessantes ou únicos. Ou menos que cópias da Cebola de Vidro...
E tudo bem se os personagens forem desagradáveis (de novo, Glass Onion e Succession funcionam com um elenco de personagens desagradáveis) desde que sejam bem escritos e interessantes, o que não acontece aqui, e piora com uma direção que, bem, além de cenas de terror, não parece exatamente saber o que está fazendo a maior parte do tempo.
Droga, tem uma personagem que passa a maior parte do tempo em uma sala com dois assistentes e uma televisão que me fez lembrar daquela temporada horrorosa de Arrested Development (quando foi pra Netflix), em que os conflitos de agenda dos atores fez com que cada um fizesse suas cenas isoladas... Só que eles pouco ou nunca interagem uns com os outros para soar tão aberrante (ainda que salte aos olhos que eles de fato pouco ou nada interagem uns com os outros).
Pode ser que não clicou pra mim ou que eu realmente goste de suspense e horror de outra forma? Pode (ei, o Ign deu nota 10 e considerou uma Obra Prima), mas eu não consigo acreditar nisso, ou pelo menos só isso. Talvez esteja mais entre a minha visão negativa e a elogiosa do Ign (e bem mais próxima da menos elogiosa que não recebeu nada para elogiar o material) principalmente quando você escapa da superficie e presta atenção ao material (como eu disse, as citações obrigatórias a Poe não servem para nada além de dizer 'Ei, nós conhecemos o material original', mas os argumentos no geral são bastante parvos se aproveitando de chavões sobre assuntos que os autores desconhecem).
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