{No Oeste era diferente...} Yu Yu Hakusho vs Spawn

Yu Yu Hakusho é uma série de quadrinhos japonesa criada por Yoshihiro Togashi (também criador do bastante famoso Hunter x Hunter) publicada na Weekly Shonen Jump entre dezembro de 1990 e julho de 1994, e compilada em 19 volumes. Conta a história de Yusuke Uramesh um colegial que morre de maneira prematura e tem uma segunda chance de vida sob a forma de um agente do outro mundo na Terra, impedindo ameaças cada vez mais bizarras de monstros e demônios com o intento de destruir ou dominar o planeta.

A série tem alguns problemas (incluindo um final bastante anticlimático atrelado principalmente à estafa de seu criador que a uma conclusão lógica) e, bem, o fato de ser produto de sua época, com todos os problemas que essa afirmação pressupõe - incluindo, mas não se limitando a importunação sexual que vem desde os primeiros capítulos, além de problemas que a série facilmente poderia evitar ou ignorar completamente (como o ninja com uma suástica na testa ou o monstro trans que sofre também de importunação sexual e de uma série de insultos pelo fato de 'não ser uma mulher de verdade' - ambos cenários claramente desnecessários).

Do outro lado do Pacífico, Spawn é uma série de quadrinhos estadunidense criada por Todd McFarlane (bastante conhecido por sua colaboração com Homem Aranha nos anos 1980) publicada pela editora Image Comics a partir de maio de 1992 e ainda em publicação (chegando à edição 340 agora em abril de 2023). Conta a história de Al Simmons, um mercenário que morre em uma missão que dá errado e tem uma segunda chance de vida sob a forma de um agente do outro mundo na Terra - mais especificamente um Soldado do Inferno - impedindo ameaças cada vez mais bizarras de monstros e demônios com o intento de destruir ou dominar o planeta.

Spawn é bem ruim, em partes porque McFarlane é um péssimo escritor tentando somente emular o estilo de autores (muito) mais competentes que ele, inclusive incorrendo no erro de trazer alguns destes nomes para colaborar logo no começo da série e expondo a abissal diferença de talento e potencial entre ele e estes autores. A série ganhou bastante holofote nos anos 1990 graças a campanhas maciças de marketing vendendo a Image comics e seus produtos (que hoje mal servem pra forrar gaiola de passarinho) como a grande revolução do mercado de quadrinhos, e, como algo novo e moderno mais próximo das gerações contemporâneas (ao contrário dos quadradões heróis tradicionais). Com isso rapidamente o personagem ganhou uma animação pela HBO e um filme, mas, atualmente é mais um coadjuvante de luxo de jogos de luta que, bem, alguém que estrelaria um jogo ou nova série (ao contrário de vários dos quadradões heróis tradicionais que a Image Comics vinha para derrubar).

E, como o título - e os parágrafos mostrando inúmeras similaridades - implica, as duas séries tem mais semelhanças e paralelos do que, bem, pareceria em primeira vista (protagonistas que morrem e voltam como agentes do mundo sobrenatural - que, funciona de maneira bem mais corporativa/empresarial que as visões tradicionais e sacras - e lidam com ameaças terríveis de monstros e demônios em caminho de sua expiação/redenção e toda uma questão de sobrenaturais e pessoas sensitivas, que, por algum motivo eram tema comum no período). Claro que outros autores lidaram com histórias que, honestamente, cabem se não exatamente nessa mesma descrição, ao menos em algo bem próximo como o Espectro e o Desafiador da DC, Blade e Motoqueiro Fantasma na Marvel, Dylan Dog na Europa e no Japão, a(o menos a) série Bleach todas lidam com agentes do mundo sobrenatural lidando com ameaças de terríveis monstros e demônios em caminho de expiação/redenção..

No entanto, ambos lidam com o material de formas bem diferentes, tanto devido a seus estilos e particularidades regionais - algo sobre o que já comentei algumas vezes como aqui e aqui (mas em mais detalhes, Yusuke logo forma um contingente de aliados para lutar a seu lado para manter uma mensagem sobre o valor da amizade, enquanto Simmons vai aos poucos desfraldando os segredos de sua vida pregressa - ah, é verdade, em consonância com os heróis dos anos 1990 ele também tem amnésia - e segue sua jornada solitário em busca de respostas e vingança). Só que existe uma diferença de tom que é muito grande e pungente.

Spawn é um material cheio de cinismo, inclusive com uma primeira edição que tenta descaradamente copiar o estilo do Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, e francamente é quando faz isso bem que ele de fato triunfa (com as edições de Alan Moore e Neil Gaiman permeando o mundo violento do soldado do inferno com tiradas cheias de humor inglês), e, ei, talvez McFarlane fique muito bom depois de dez ou vinte anos escrevendo, ainda que eu sinceramente não ache que ele tenha conseguido encontrar o tom certo para a história (em qualquer momento). Inclusive enquanto McFarlane escreve e tenta destilar o quanto seu material é diferente e superior ao que chegava às bancas pelas outras editoras, as histórias transbordam também de certa prepotência combinada ao cinismo. Algo que, vamos destacar, se perde justamente pela inabilidade narrativa do autor que cai na armadilha da 'pós ironia' (quando existe tantas camadas de ironia que a situação deixa de ser engraçada) e isso perde a dimensão da coisa toda. Quer dizer, devemos de fato nos importar com o mercenário assassino (mas de bom coração) Al Simons e seus percalços?

Por outro lado, Yu Yu Hakusho desde o início tenta manter um tom leve e cômico mesmo lidando em certos episódios com assuntos perturbadores (como crianças mortas cujas almas imortais ficam presas ao mundo terreno porque nunca tiveram um amigo em vida) e raramente se leva à sério, ainda que leve os personagens (e seu desenvolvimento) muito a sério assim como seus relacionamentos interpessoais.

Se podemos tirar alguma coisa disso tudo - e, eu não sei se podemos - é que autores diferentes podem abordar temas e histórias parecidas de maneiras bem diferentes, e com resultados bem diferentes.

Ou talvez somente, que no oeste era diferente...