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28 de agosto de 2022

{Deixa eu te explicar...} Porque os quadrinhos vendem pouco: As diferenças entre Japão e EUA (parte 2.5)


Antes de falar um pouco mais sobre o tema (como o que ocorre no resto do mundo, incluindo as diferenças editoriais no Brasil, Europa e nos demais mercados), eu acho que esse pequeno interlúdio para cobrir as principais diferenças entre os dois principais mercados é um bom momento (ou tão bom quanto outro) para abordar as principais diferenças entre os quadrinhos japoneses e norte-americanos.

Do ponto de vista editorial, as publicações são diferentes de duas formas (e eu nem vou fazer a piadinha sobre o sentido de leitura, juro).

Primeiro os quadrinhos japoneses são publicados em algo bem parecido ao que nós brasileiros conhecemos como revista mix (que traz várias histórias de aproximadamente 10 a 20 páginas combinadas com outros títulos e nisso geralmente mais baratas - mas também com erros e menor qualidade de acabamento). São publicações semanais, com vários títulos compilados nas Weekly Shonnen ou similares para testar a água e o mercado com os diversos títulos, e, de acordo com a resposta e sucesso, esse material acaba compilado em volumes (que são como as revistas chegam ao mercado internacional e é como os mangás chegam aqui ao Brasil, e também com correções e até alguns extras, como artes adicionais criadas para esses volumes ou seções de cartas), e, geralmente de acordo com a repercussão e representatividade de vendas desses volumes, o material já se expande para outras mídias com animações, games e todo tipo de condição.

No mercado norte-americano, as revistas saem em edições individuais com vinte e duas páginas de histórias em média (ainda que muitas vezes com anúncios, propagandas, seções de cartas, prévias de outros títulos, e como vem ocorrendo nos últimos tempos, com uma série de material promocional como capas decorativas, variantes e toda sorte de material chamativo).Essas edições são coletadas em encadernados reunindo, normalmente, entre 5 a 8 edições em encadernados comumente mais baratos que a compra mensal (em média o custo de um encadernado equivale a 4 das 6 edições compradas mensalmente), ao passo que depois de mais tempo esse material tende a ser novamente coletado em encadernados (como omnibuses, compendiuns e epic collections ou tantas outras opções que trazem 10, 12 ou até 48 - isso mesmo - edições), e geralmente, DE NOVO, mais barato que o material publicado originalmente.

Vale destacar, no entanto, que essa não era uma prática comum do mercado americano, pelo menos não até a década de 1980, e levou um bom tempo até que esses formatos e métodos de compilação de conteúdo se tornassem a norma, e foram os independentes como Cerebus de Dave Sim e as Tartarugas Ninja de Eastman e Laird que tornaram a prática de coletar o material (para ficar mais fácil para novos leitores se situarem e conseguirem acompanhar o material) mais comum e forçaram a mão das maiores editoras Marvel e DC.

Nisso, com a popularização dos encadernados a partir dos anos 1980, a forma de estrutura de arcos e narrativas de quadrinhos norte-americanos passou a mudar também, já pensando na estrutura de, geralmente 6 edições num encadernado padrão, para dosar reviravoltas e ação para estes volumes, sem tanta necessidade de travar a história contando de novo e de novo os eventos das edições passadas (uma prática bastante comum da velha Marvel, bem coisa do Stan Lee e que o John Byrne achava um barato), tornando as histórias mais dinâmicas de certa forma, e permitindo um senso de continuidade da narrativa de forma mais espaçada, tendo assim as histórias mais páginas para contar e desenvolver seus eventos de maneira orgânica.

Essa não é uma prática que eu vejo no Japão ainda hoje para ser bem franco. Os volumes compilados de edições publicadas semanalmente tendem a ser menos programados, planejados ou preocupados com essa noção de terminar com um gancho para a próxima edição ou mesmo que o volume em si encerre um arco de maneira que o próximo se inicie no volume seguinte. E cabe até um parêntese porque o material produzido semanalmente é algo complexo, puxado e extremamente difícil e desgastante, então não existe muito um planejamento de médio a longo prazo (principalmente para artistas em seu início de trabalho e projetos). Com o tempo e adaptação ao fluxo, pode ocorrer do artista dominar melhor técnicas e condições pra produzir quadrinhos semanais visando as compilações de forma mais orgânica, mas geralmente, como ocorreu com Dragon Ball ou Yu Yu Hakusho, o artista acaba cedendo à estafa e a qualidade em geral acaba oscilando demais ou decaindo mesmo...

Fim do parênteses, o que ocorre com as compilações é que elas existem para reunirem entre 10 a 12 capítulos publicados semanalmente e ponto (ainda que, como mencionado antes, com alguns extras e correções). Não parece haver qualquer preocupação ou trabalho para que as edições compiladas sigam uma narrativa fechada e que se encerre ao final deste ou daquele volume.

Ainda que eu não tenha coberto os mercados do restante do mundo, vale um destaque do que enxergamos do mercado europeu com uma produção que segue um modelo bem diferente dos dois aqui citados. O modelo tradicional das principais obras europeias (seja Tintim, Corto Maltese, Asterix ou mesmo Tex) é a de publicações bem mais amarradas no sentido literário. São livros mesmo na condição e estrutura (e algo que facilita republicações e publicações internacionais, assim como a acessibilidade para leitores). Não obstante, o Brasil também tem em suas publicações mais famosas da Turma da Mônica uma estrutura diferente que não segue qualquer linearidade ou continuidade que impeça aos leitores de puxar qualquer edição aleatória e simplesmente entender o que se passa narrativamente, ainda que existam almanaques e coletâneas reunindo posteriormente as histórias e facilitando a condição ao menos temática para os leitores - mas, de novo, uma vez que não existe um fator de continuidade, não chega a interferir tanto na compreensão narrativa.

Dito tudo isso, entramos no segundo grande aspecto de diferença, que concerne efetiva e diretamente a narrativa.

Por muito tempo, e eu confesso que li várias vezes isso repetido (ao ponto que até acreditei fazer sentido) é o de que os quadrinhos japoneses tem fim enquanto os quadrinhos americanos seguem ad infinitum, com o eterno adolescente Homem Aranha fazendo 60 anos (enquanto toda uma turma da DC já passou dos 80). Só que essa é uma visão errada e bem limitada da coisa toda.

Em partes como vemos hoje categoricamente com o Dragon Ball Super ou os Cavaleiros do Zodíaco continuando de novo e de novo após o fim de suas histórias e narrativas (algo comum nos quadrinhos americanos e mesmo europeus com o exemplo de Asterix publicado após o falecimento do criador Albert Uderzo). Ao mesmo tempo que vários exemplos de quadrinhos norte-americanos foram escritos e concebidos com a edição final em mente (Escalpo, 100 Balas e outros exemplos do selo Vertigo e mesmo bem no coração da Marvel a série dos Vingadores de Jonathan Hickman).

Mas como eu disse, não é essa a visão correta narrativamente. Os quadrinhos japoneses tem de maneira bem geral uma visão clara de objetivo de seus protagonistas e histórias - e isso geralmente não se repete em outros países e publicações.

Desde o primeiro capítulo de One Piece (que em 25 anos passou de 1000 capitulos, 1000 episódios de animação, 20 filmes e mais uma bela quantidade de produtos derivados) tem em seu protagonista Monkey D Luffy dizendo com clareza o que ele quer e pretende. Ele quer ser o rei dos Piratas, ponto. E cada um dos mais de 1000 capítulos desses 25 anos foram passos nessa jornada (capítulos para apresentar os membros da tripulação que farão esse sonho se tornar real, desafios para fortalecê-lo em sua reinvindicação a esse trono figurativo - mas que ainda assim exige o respeito de demais tripulações e gigantes consagrados, assim como da principal força inimiga da Marinha). Nem todo capítulo foca somente nesses passos, havendo obviamente espaço para momentos mais calmos e para uma pausa entre ação desenfreada e o próximo momento de ação desenfreada.

Nem é o único exemplo. Goku quer ser mais forte da mesma forma que Miyamoto Musashi de Vagabond, mas seus mundos são diferentes (um repleto de dinossauros, robôs e alienígenas enquanto o outro é muito próximo de nosso Japão feudal - ainda que mais romantizado) e isso vale do começo ao final dessas jornadas, ainda que de acordo com a qualidade narrativa os objetivos permitam incorporar jornadas de autodescobrimento e abordagens mais adultas e complexas da condição humana.

Por outro lado, Batman ou o Homem Aranha que tem objetivos ofuscados com tantos autores e editores diferentes (e títulos) ao mesmo tempo que difíceis de definir ou até mesmo indistintos (querem acabar com o crime), mas é mais difícil ver isso realmente na condição das histórias traçando um caminho lógico de progresso para que esses personagens cheguem a esse objetivo. Batman quer acabar com o crime em Gotham, mas será que se vestir como um morcego e bater bem forte na fuça de lunáticos fantasiados é a melhor forma que ele milionário conseguiria trazer alguma mudança?

Mas eu vejo que o melhor exemplo norte-americano no que tange a um 'objetivo' são os X-men com a visão e sonho de Xavier (da coexistência pacífica entre humanos e mutantes), e por mais que eu possa citar um número enorme de ótimas histórias (como A Segunda Gênese, A Saga da Fênix Negra ou A ascensão e queda do Império Sh'iar) e perguntar: O que essas histórias colaboram para que os personagens cheguem a seu(s) objetivo(s)?

Uma vez que não parecem trilhar um caminho claro para o objetivo comum (nesse caso ao grupo de personagens) desse título, depois de um tempo tudo acaba parecendo muito com encheção de linguiça (ou o termo mais popular 'filler') por mais que, e eu repito, sejam boas e ótimas histórias. E, inclusive, alguns quadrinhos como Monstro do Pântano de Alan Moore ou mesmo o Sandman de Neil Gaiman sem uma visão de 'objetivos' são grandes quadrinhos e construídos brilhantemente em termos de histórias e narrativas.

O que quero dizer é que a existência de objetivos não faz de uma história necessariamente melhor sob nenhum aspecto - assim como a encadernação ou papel - de fato, foi somente como o título implicou para apontar as principais diferenças entre as produções no Japão e nos Estados Unidos.

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