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5 de fevereiro de 2022

{Editorial} Como mensurar alguns valores?

Uma pergunta que constantemente surge e cada vez menos nos parece fácil (ou possível) responder é "O que é arte?".

Parece uma pergunta simples em primeira vista, mas é uma pergunta repleta de camadas, barreiras e limites que extrapolam em si mesmos e sobre si mesmos, e, que conflitam justamente no 'tripé da arte' (valor, entretenimento e cultura). Esse tripé é o que define e muda a nossa percepção desse ou daquele produto como arte ou algo diferente.

Um vídeo no youtube (ou tik tok ou qualquer outro novo serviço que surja e se disponibilize) é entretenimento, mas é arte? Uma aula oferece cultura (com ou sem entretenimento), mas é arte?

E é aqui que o 'valor' tenha o maior peso e seja o que separe efetivamente um lado de outro.

É o que separa uma pintura de uma lata de sopa (vendida basicamente em qualquer mercado dos Estados Unidos), mas que é exposta no museu de arte moderna em eventos chiques e badalados da nata da sociedade, de um quadrinho ilustrado por um mestre em sua área como Sal Buscema, Neal Adams ou Brian Bolland mas comercializado em bancas de jornal sujas e sebentas por meros centavos (ainda que hoje um pouco mais caros).

Sim, esse inclusive é parte do ponto de grande parte da obra de Warhol, mas, sejamos honestos, a ironia não se perde quando seus quadros são vendidos por milhões de dólares sobre uma lata de sopa que se vende em qualquer mercado por menos de 10 dólares.

Valor, no entanto, não é necessariamente algo que está vinculado na obra em si, e fica bastante evidente quando há uma dissociação entre a obra e seu contexto. Pense em algo como um quadro de Da Vinci na galeria Pagé ainda seria considerado uma obra de arte de valor inestimado enquanto um artista sem talento teria seu trabalho 'reconhecido' se o material estivesse exposto num museu renomado?

Ou melhor ainda, pense em Cats.

Sim, sim, aquele musical que ganhou todos os prêmios e ficou em exibição por décadas na Broadway e... Vamos ser bem honestos, é e sempre foi uma grandíssima bosta. Qualé, você só precisava prestar atenção na história idiota sobre gatos de rua que tem seus 'jellicles' que escolhem um deles para ir para um lugar melhor (e, não, aparentemente isso não é sobre um culto ou algo do tipo).

Só que existe todo o ritual de Cats. Você precisava ir para Nova Iorque para ver na Broadway esse material - e você não vai de jeans e camiseta na Broadway, plebeu! E precisa ser na Broadway porque afinal você já aproveita e passeia no Central Park e faz compras no SoHo e... Entende?

O musical é só uma desculpa ou parada no passeio (que envolveu outros itens e rituais). Aí você assiste isso num cinema ou num serviço de streaming, e, francamente por piores que sejam os efeitos especiais, ainda tem um elenco invejável e incrível e as músicas (como Memories) ainda estão lá. Só que fica evidente que é uma grandíssima bosta, porque você não vai passear no Central Park e fazer compras no SoHo. Você não vai colocar uma roupa bonita e gastar sua colônia chique. Droga, você pode assistir na cama às 10 da manhã num feriadão em que você acordou meio bebaço da véspera e não tá a fim de levantar... E aí você realmente VÊ a obra - porque todo o ritual e os valores extrínsecos foram removidos.

E aí você enxerga o quanto realmente é uma grandíssima bosta.

O valor da obra está sempre muito ligado aos valores do espectador e à experiência.

Alugar um smoking e monóculo para ir em Viena ver a orquestra pangalática de Roma executando uma péssima performance de Pagliaci, completamente desafiada e fora de ritmo é uma experiência 'elevada' e 'enriquecedora' (e obviamente bem cara), enquanto assistir um artista de rua, bem, obviamente não tem o mesmo valor.

Afinal, não é como se você pudesse deduzir do imposto de renda ou lavar dinheiro comprando um jpeg de macaquinho por milhões, né?

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