Algumas semanas atrás, quando o primeiro (e gigantesco) trailer do seriado Supergirl saiu, houve uma certa reação negativa por parte da crítica, enfatizando que a personagem não é uma mulher independente, que suas tramas aparentavam algo mais próximo dum 'filme de mulherzinha' (ou "comédia romântica água com açúcar" para os politicamente corretos) com aquelas tramas bobas de 'personagem feminina tendo de lidar com o complicado mundo de relacionamentos'.
Quando o primeiro episódio vazou, as reações foram mistas e em alguma parte ainda continuaram em cima da tecla que outras personagens femininas seriam mais interessantes e carismáticas, que a Supergirl é genérica e basicamente uma fotocópia do personagem masculino mais popular (mas se essa crítica vale, não funciona também para a liga feminina de basquete a WNBA?) e em alguns casos se intensificaram apontando os sucessos anteriores do produtor com personagens da DC (como Arrow e Flash).
O que é meio injusto considerando a amostra (um episódio inicial contra três temporadas de um e uma de outro), além do fato que bem, a Supergirl é a forma mais básica de proteção de uso de marca e direitos autorais que personagem (a origem é idêntica à do Superman - enviada em um foguete de Krypton para a Terra, blá, blá, blá - os poderes são os mesmos, e até o uniforme segue as mesmas cores e estilo - com a diferença óbvia da saia vermelha), e, sejamos francos a editora nunca se deu lá muito trabalho em desenvolver a personagem além disso, ao ponto que a matou em 1985 durante a Crise nas Infinitas Terras e o mundo continuou girando.
(Cabe um parêntesis importante aqui ao fato da morte da personagem, que ainda que um pouco simbólico na transição entre as tão faladas Eras de Ouro e Prata dos quadrinhos para uma nova e mais moderna fase, no caso da prima do Superman eles realmente a apagaram da existência e jogaram pro limbo toda uma bagagem de histórias bobas - que incluem um cavalo kryptoniano inteligente com superpoderes que é secretamente apaixonado pela Supergirl, e, não, eu não estou inventando isso; A personagem é remodelada numa nova série escrita por Peter David e finalmente passa a ser, bem, uma personagem, com estrutura, arcos e alguma coerência).
Mas, cabe uma grande e importante pergunta: Porque a Supergirl precisa ser mais que isso?
Como a dançarina Ginger Rogers disse brilhantemente em uma entrevista sobre seu co-astro Fred Astaire: "Eu faço tudo que ele (Fred) faz e com salto alto", e essa é uma das condições intrínsecas da personagem.
Ela É o Superman, idêntica em todos os sentidos, mas ainda assim ela é vista, tratada e condicionada de maneira diferente.
E numa sociedade como a que vivemos - em que uma mulher é menos remunerada mesmo fazendo os mesmos serviços - não é um prisma interessante como uma heroína idêntica ao maior herói do mundo ainda assim é vista como menor/inferior?
Ela pode seguir outras posturas, ela pode ser mais fodona num estilo Imperadora Furiosa de Mad Max (personagem incrível, diga-se de passagem), mas essa não é a perspectiva do 'S' no peito da personagem.
Ao contrário da visão de Quentin Tarantino (que mostra o quanto ele não entende do personagem), o disfarce de Superman e dos outros kryptonianos não é uma gozação à humanidade, e sim o oposto, é uma mostra de sua humildade. É a forma de experimentar os problemas e condições dos seres humanos para melhor entendê-los - ao contrário de governá-los e decidir o que é melhor para eles.
Ela precisa de problemas corriqueiros para entender a vida e os problemas corriqueiros dos seres humanos... Até para que nós meros seres humanos possamos nos identificar com a personagem.
É verdade que eu não sou especialista em qualquer condição de feminismo ou de igualdade de direitos e pra muitas dessas perspectivas sou ponto fora da régua (sou homem, heterossexual e caucasiano de formação católica... Ou seja, pertenço a maioria dominante), mas eu vejo a personagem com essa perspectiva como alguém bastante progressista numa sociedade em que revistas de moda tentam convencer mulheres de práticas absurdas de 'beleza' colocando-as em risco de saúde (que inclui dietas pobres de nutrientes para redução de medidas, cirurgias desnecessárias para adequação a padrões impossíveis) somada a outras representações midiáticas limitantes (que colocam as mulheres como meras assistentes de palco em programas inclusive jornalísticos)...
Mas, o que eu sei?
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