Olha, eu acho que essa é a resenha mais difícil que eu vou fazer por uma série de motivos.
O filme nem é tão ruim quanto muitos outros dos exemplos que eu já publiquei sob a tag de resenhas lixo, mas existe algo que continuou de novo e de novo martelando na minha cabeça sobre como o material não funcionava. Sobre condições normais de temperatura e pressão o filme seria meramente medíocre e esquecível.
Quer dizer, o elenco é ótimo, ainda que nenhuma das atuações seja particularmente memorável, o roteiro traz um dilema interessante no seu cerne, ainda que seja mais um drama de tribunal e inequivocadamente remeta logo de cara - inclusive pelo título - a um dos filmes mais famosos do gênero, Doze Homens e uma Sentença (e sim, eu sei que é baseado em uma peça para televisão), e, apesar dos clichês e de tudo o mais, bem, o filme é morno e sem graça no máximo.
Algo perfeitamente esquecível e que talvez seria inclusive legal de assistir enquanto se recupera de uma cirurgia da tireóide ou algo do tipo.
Mas onde eu vejo o meu maior problema com Jurado Número 2 vem de um ponto de vista político e ignorar seria hipocrisia. Por um lado talvez se o diretor fosse alguém diferente (sabe, não o ultra-republicano Clint Eastwood), é possível que o filme teria algumas sensibilidades diferentes e talvez se aproximasse de pontos tópicos de maneira bem mais contundente e crucial, e é incrível como as falhas do roteiro coincidem enormemente com argumentos repetidos exaustivamente pela extrema direita.
O protagonista do filme (e o jurado número 2) é um jovem JORNALISTA cuja esposa está grávida (de uma gestação difícil) e ele solicita sua exclusão do processo do juri, que é negada com a base de que ele (esse hipster jovem preguiçoso) não trabalhará um minuto a mais que sua jornada normal.
O QUE NÃO É O MALDITO DO PONTO! Mesmo que ele tivesse uma 'jornada' menor como jurado que em seu trabalho normal, ele não estaria disponível para uma emergência enquanto muito provavelmente estaria desfocado no assunto sério de um julgamento enquanto sua cabeça foca em sua esposa grávida que talvez esteja com alguma dificuldade...
E vai por mim esse não é o primeiro e nem o último exemplo que veremos durante o filme.
(Se não ficou claro, esse tipo de coisa foi e vai me deixando incomodado e irritado, por isso as maiúsculas e negritos extras - e eu diria até desnecessários).
Você tem o policial aposentado herói que continua se esforçando e devotando tempo livre para garantir que a justiça seja aplicada (ao contrário desses policiais liberais preguiçosos, HARN, HARN, HARN!), ou o alcóolatra que usa sua doença como escudo ou a mulher jovem que só pensa em sapatos...
Quer dizer, temos dois jurados negros que do começo ao fim destacam que enxergam o réu como culpado sem que, em momento algum, um deles que fosse destaque o ponto mais óbvio acerca do fato de que se o réu fosse negro a deliberação seria bem mais rápida (com um veredito de culpado antes mesmo de esfriar o café do meirinho - e se fosse um latino com tatuagens de gangue o advogado de defesa sequer falaria na sessão), mas tanto eles quanto outros dos personagens só tangenciam o fato de que o réu e a vítima são brancos e por isso o caso ganha alguma repercussão (inclusive a atenção de uma promotora buscando reeleição para o cargo).
O juri inclusive atua da forma de um tribunal das mídias sociais cancelando um sujeito inocente sem embasamento ou fatos concretos (enquanto, sabe, é trabalho da polícia e do promotor - e advogado de defesa - apresentar esses fatos concretos). Só porque o réu brigou com a vítima na noite que ela morreu e a chamou de vaca (além de demonstrar claramente comportamento violento) vão condenar o pobre coitado branco?
Ou mais especificamente, que um grupo com diversidade étnica (que incluem mas não se limitam a um homem e mulher negros, uma jovem médica asiática, uma jovem do oriente médio) esteja disposto a condenar um homem branco à cadeia (mesmo que o caso não apresente provas além de dúvida razoável) e seguir com suas vidas.
E isso foi gradualmente fazendo com que eu perdesse o interesse no filme e abandonasse a suspensão de descrença... Conforme a argumentação dos jurados chega a conclusões mais rápido que todo mundo que analisou o caso (incluindo o advogado de defesa) sem que em qualquer momento seja destacado o fato que a cor de pele do réu (e da vítima) são um fator importante no caso.
Quer dizer, o sujeito fazia parte de uma gangue (tanto que tem as tatuagens para provar isso), que é uma gangue com histórico de venda de narcóticos ilegais mas de alguma forma a promotoria não apresenta estes fatos como relevantes para a definição do caráter do réu? Droga, um video do réu de alguma rede social em que ele confessa seu amor inegável à vítima é apresentado como argumento da defesa, mas a promotoria não tem absolutamente nada de um sujeito que fez/faz parte de uma gangue que vende narcóticos...?
E enquanto os antecedentes não são reflexivos ou mesmo justificativas para um crime específico em julgamento (além de contaminar a opinião do juri conforme esse artigo do jusbrasil), será que uma promotora concorrendo à reeleição escolheria um caso tão frágil e fraco para atuar?
Quer dizer, o filme aponta que o casal brigava constante e frequentemente (e que o réu demonstrou comportamento violento inclusive na noite em questão), mas essa é a base toda do argumento da promotoria? Não existe alguma testemunha ou registro de agressão prévia para que tanto a polícia quanto a promotoria considerassem o caso como conclusivo e concreto?
Percebe como isso coincide com pontos da retórica da (extrema) direita de que as pessoas são condenadas sem um julgamento justo ou de que a polarização e a internet forçam a julgamentos rápidos e ríspidos sem o direito a contextualização e coerência... Mesmo que o próprio filme deixe claro que um sujeito violento que cometeu outros crimes ficaria livre enquanto uma pessoa lindando com um problema de alcoolismo ser condenado a até 30 anos de cadeia (por um acidente) correspondem a um cenário de justiça.
Se o roteiro ofercesse alguma dúvida sobre o caso (algo com a possibilidade de que o réu de fato tivesse cometido o crime - é, eu sei, que absurdo que um traficante branco com histórico de violência e abuso pudesse agredir uma mulher) ou mesmo maior espaço para reflexão sobre o real culpado (que talvez ele estivesse confundindo os fatos - inclusive em virtude de seu problema com alcoolismo), algo que um diretor como David Fincher ou Bill Hader (sim, depois de Barry eu acredito que ele faria algo muito bom com o material), nos mostra o potencial desperdiçado e os principais motivos pelos quais esse filme é uma resenha lixo.
Honestamente? Passe longe e veja qualquer uma das muitas versões de Doze Homens e uma Sentença que vale muito mais a pena.
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