Existem alguns fatos que eu acredito que são importantes para entender a história do Guia do Mochileiro das Galáxias e porque ele funciona - e porque a continuação de Eoin Colfer não.
O primeiro livro da série foi publicado em 1979 (com os livros seguintes saindo em curto intervalo até 1984, com o quarto livro da série Até mais, obrigado pelos peixes, e um intervalo mais longo para o quinto e último livro em 1992, Praticamente Inofensiva). A série efetivamente nasce em 1978 com uma série de rádio, e isso vem de um autor que passou praticamente a última década se esforçando de toda maneira no que a BBC produzisse - com Monty Python, Doctor Who e o que mais caísse em seu colo, mas, como vemos, com o misto de comedia (surreal) e ficção científica que são os pilares fundamentais para a série.
Mais que isso, Adams permitiu dosar estes elementos, e inclusive testar as águas com as aventuras no rádio para então adaptá-las na forma narrativa de uma série de livros, e, enquanto eu particularmente não gosto do terceiro livro (que deve funcionar melhor na Inglaterra com todo o papo sobre críquete), os quatro primeiros livros são sólidos. O quinto livro da série é horrível, em grande parte porque ele nem parece entender o que a série se transformou, mas, principalmente, porque ele não funciona...
O último livro de Douglas Adams propõe universos paralelos e tramas que pouco ou nada são desenvolvidas (e principalmente, pouco ou nada são relevantes), mas, e talvez isso seja especulação demais da minha parte, fica a impressão que ele estava cansado com a franquia e queria mesmo era dar um ponto final e deixar por isso mesmo - tanto que até seu óbito em 2001 ele não produz mais nada para a série.
No geral, Arthur Dent é, bem, um típico bonachão inglês que mal sabe o mínimo para entender sequer o menor condado da Inglaterra do século XX (que dirá nosso planeta como um todo) e se vê diante de todo tipo de insanidade de um universo caótico que Douglas Adams apresenta a ele, que, obviamente, replica e recria os elementos absurdos (na enésima potência) de nossa vida cotidiana.
A burocracia da prefeitura com toda uma série de subterfúgios para justificar seu pequeno poder para demolir a casa de Arthur é replicada nos Vogons fazendo o mesmo com um planeta inteiro. Um show de rock barulhento é replicado em um evento que é tão barulhento que precisa de um planeta desértico inteiro para ser permitido e por aí vai.
Com o quinto livro, no entanto, Arthur já não serve mais o mesmo propósito (ele se acostumara com toda a sorte de maluquice que o universo jogara nele) e aí Adams parece querer reverter alguns elementos - apagar a namorada do volume anterior, trazer Trillian de volta (e fazê-la mais relevante ao ter uma filha com Arthur) e tudo isso para terminar com uma piada boba que remete ao final ao primeiro livro é o ponto final definitivo para a história (afinal a Terra é destruída DE NOVO, só que dessa vez Arthur, Ford, Trillian e que outro protagonista a série ainda possuia vivo até esse ponto estava no planeta no momento que ele é destruído).
Ponto, fim e nada mais de o Guia do Mochileiro das Galáxias para Douglas Adams, afinal ele criou outras séries e produziu outros trabalhos, então nada mais coerente que perseguir essas ambições, certo?
Bem, em um mundo ideal isso seria o fim da história (ou talvez até o quarto capítulo em que Arthur termina razoavelmente bem com Fenchurch e todo mundo parece seguir com suas vidas, no que seria um epílogo feliz e contente), mas algum editor pensou "Ei, e se a gente fizer mais um livro nessa série...?"
Não sei a história de bastidores disso exatamente - se propuseram para o criador de Artemis Fowl, Eoin Colfer para produzir mais um livro do Guia do Mochileiro das Galáxias ou se ele propôs o livro para seu editor - mas o resultado é que temos um sexto livro para a série e esse é o primeiro não produzido por Douglas Adams, ainda que, evidentemente, existam alguns fragmentos e ideias que o autor deixou para trás em algum diário ou rascunho e que tomaram forma sob esse livro.
Obviamente o livro é ruim, afinal Colfer mesmo em seu momento mais inspirado não chega perto do momento menos inspirado de Adams, e, mesmo que isso não fosse o caso, a série terminou categoricamente com o quinto livro... E isso até pode servir para diminuir o tom de críticas e avaliar como um mero projeto de fã (ou fanfic), mas uma vez que esse fã é um escritor profissional com vários livros no currículo e essa fanfic foi lançada por uma editora profissional (e vendida como um livro como todos os outros), eu não vejo qualquer motivo para avaliar de maneira diferente de qualquer outro livro, e, nesse caso específico até de maneira mais pesada por comparação com alguns de meus livros favoritos de todos os tempos que o antecedem.
Colfer tenta alguma justificativa boba para salvar a trupe de Arthur Dent de último minuto da destruição da Terra (do final do quinto livro) enquanto passa capítulos e mais capítulos tentando justificar uma história para continuar a narrativa. E dá-lhe bobagens sobre deuses de Asgard (e Zaphod atuando como empresário para eles) ou uma colônia de terráqueos que ainda existe e portanto os Vogons precisam destruir e o que é mais bizarro conforme o livro avança, nada disso tem qualquer relação direta ou indireta com os personagens da série.
Arthur não faz absolutamente nada no livro (ainda que isso seja um clichê para o personagem e frequentemente ele sirva para que alguém lhe explique a trama), e ele nem está sozinho nessa. Ford e Random meio que estão nessa porque estão nessa, enquanto Trillian só está no livro para se apaixonar por um personagem minúsculo de um dos livros anteriores que volta aqui (e acaba não só central para a trama como efetivamente o personagem sem o qual o livro todo não aconteceria).
Essa é a história de Zaphod e o sujeito minúsculo de um dos livros anteriores, e, isso poderia funcionar é claro, se fizesse algum sentido ou, bem, só funcionasse. Zaphod parte de lugar em lugar em uma busca por deuses asgardianos enquanto o restante da trupe parte para salvar o que sobrou dos terráqueos dos Vogons (que tem em seus planos a destruição dos humanos que sobraram).
Ok, a história é ruim, os personagens não fazem nada interessante, mas pelo menos as piadas e situações são boas? Bem, não...
Colfer não consegue construir piadas no ritmo da história e precisa constantemente interromper o material para inserir notas onde o material cômico deveria transparecer, e, honestamente, se provocar algo mais que um sorriso amarelo está no lucro. Geralmente essas notas vão travando o desenvolvimento além de não agregar nada minimamente interessante... Nisso os personagens da história parecem secundários, as ações parecem inconsequentes e os fatos irrelevantes (e as piadas forçadas).
Se você é fã de Eoin Colfer, talvez o material seja bom, droga, talvez seja o melhor que ele escreveu em toda a sua vida (o que pra mim, não soaria como um elogio para ler o restante do material), mas, honestamente, se você é fã do Guia do Mochileiro das Galáxias, e, considerando que esse é o sexto livro e o primeiro (e tomara que único) póstumo, não tem como ignorar tudo o que veio antes e que é milhões de vezes melhor.
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