Eu queria gostar de Monster, e, com a premissa e os primeiros cinco ou pouco mais episódios eu realmente estava gostando. Mesmo que o ritmo seja lento (os cinco ou seis episódios facilmente funcionariam em um único - ou talvez dois episódios), o começo funciona muito bem ao apresentar um dilema bastante claro, com o personagem do cirurgião médico que acaba tendo de escolher seus pacientes, e, nessas escolhas pode ser a diferença entre a vida e a morte, o que acaba elevado a enésima potência quando um destas escolhas acaba levando a ramificações desastrosas (spoilers talvez mas, ele descobre que uma das pessoas que ele salvou era um psicopata e assassino serial - e, o médico acaba como suspeito de seus crimes).
Esse dilema é fascinante e eu genuinamente queria ver a história desenvolver organicamente, ou, mais importante, de maneira focada e coesa neste personagem (ou personagens, afinal não é apenas o médico que é interessante nesse conflito) e neste conflito, mas como você já deve ter imaginado, não é o que acontece. O que se segue é um elenco cada vez mais crescente de personagens e dilemas quaternários (eu acho que até a Suzana Vieira aparece como dona de casa rica em algum dos núcleos em certo ponto de tanto personagem que aparece) e que, o que é o pior, vão diminuindo o impacto do dilema central e relevante ao apresentar uma enorme conspiração que tem motivações políticas (não me pergunte) e elementos narrativos que, francamente não são interessantes ou agregam coisa alguma para a história (me desculpe se eu pareço uma pessoa ruim por não me importar com a ex do doutor Tenma que se torna uma alcólatra ou o seu segurança).
Aqui reside o grande dilema narrativo e a escolha que o autor precisa fazer, de escolher em manter um escopo pequeno e contar uma grande história com tensão, impacto e coerência ou partir para um escopo maior e lidar com problemas que mesmo um autor bem mais calejado teria dificuldade de lidar (em virtude de toda a complexidade do tema e a dificuldade não só de solucioná-lo como de explorá-lo de maneira coerente). Com isso derivam outros problemas de escolhas (partir para um estilo mais simples que permita crescer e estabelecer conexões através de paralelos com o mundo real ou para uma estrutura mais realista para permitir uma reflexão mais séria e profunda da natureza humana) que vão marcando o tom, premissa e toda a composição do material.
Como eu mencionei antes, uma das escolhas de Tenma se dá entre salvar um político importante e alguém que se tornaria um psicopata, e, ao deixar o político isso causa alguns revezes em sua carreira. No entanto, esses revezes são facilmente suplantados, e, logo o doutor está em uma condição ainda melhor do que antes, o que nos leva a um salto de nove anos para a história (após, e isso é importante, o chefe e outro médico importante do hospital morrerem de maneira suspeita, e esse fato ser o motivo para Tenma acabar promovido).
Se a história começasse nesse ponto em que Tenma faz uma escolha difícil e acaba, não só prejudicando sua carreira como salvando um assassino, e, para coroar sendo visto como suspeito de outros crimes, a coisa toda funcionaria de maneira mais orgânica para conduzir o restante dos elementos... Ainda que o restante dos elementos sejam toda uma miríade de conspirações que vão do bizarro, absurdo e simplesmente ridículo (que fazem Qanon parecer lógico).
Droga, a conspiração toda vai degringolando e tomando tanto espaço da série que acaba fazendo com que todo o mote inicial seja apenas acidental e inconsequente. Na verdade todos os personagens iniciais são acidentais e inconsequentes porque já havia toda uma gigantesca teia de conspiração ocorrendo e mais dia menos dia os eventos da série degringolariam do mesmo jeito (tivesse doutor Tenma ou não, se salvassem ou não o psicopata e a lista segue de novo e de novo), e por algum motivo que eu não sei se eu perdi algum episódio, se eu dormi ou se simplesmente o negócio é mal escrito (e eu pendo para esse lado mesmo que os dois outros possam ter acontecido concomitantemente), o plano secreto da organização sombria que está puxando todas as cordinhas dos eventos da série envolve derrubar o governo (claro, sempre tem isso) e... São os nazistas, tá, você já deveria ter deduzido nesse ponto.
Claro que tem o teto de vidro de uma história japonesa criticando a Alemanha pelos nazistas, mas, ei vamos fingir que é muito diferente quando os norte-americanos querem se mostrar moralmente superiores? Eu prefiro ignorar o comentário político da série ainda que seja uma série de escolhas ruins que francamente não agregam muito no que o projeto deveria fazer.
A série se passa na Alemanha, tem um psicopata chamado Franz BONAPARTA (meus ovos) e outro chamado Adolf Heinhart (sim, sutil) e, olha, se eu tivesse lido ou assistido a esse material quando eu tinha 15 anos, talvez eu acharia legal pra caramba (droga, talvez eu acharia O Corvo do irmão menos talentoso do Alexander Skarsgard muito legal também na minha adolescência - o que não sirva muito bem como parâmetro pelos meus excelentes gostos na época - ou pelo que valhe, mesmo hoje em dia), mas hoje eu só posso dizer que funcionaria bem melhor como uma série menor, mais focada e com beeeeeeeeeem menos personagens (como os dois sutis pra caramba citados nesse mesmo parágrafo).
Uns 20-25 episódios (que equivalem à primeira temporada da Liga da Justiça de 2001) ao invés dos 75, com uma narrativa mais limitada para o escopo que eu comentei no começo (o médico que salva um psicopata e acaba como suspeito dos crimes dele), talvez expandindo a narrativa para continuar numa estrutura maior em novas temporadas (como Full Metal Alchemist ou Avatar fazem), eu acredito que funcionaria muito bem, obrigado. Do jeito que é, bem é um teste de resistência mais que qualquer coisa, e eu me cansei muito no começo ao ponto que chegar à linha final foi muito mais desafiador e cansativo do que deveria.
E possivelmente até por isso eu acredito que tive maior resistência e mesmo não consegui ver alguns dos argumentos da série como foram apresentados (ou se foram).
Dito tudo isso, o final é incrivelmente estúpido. Quer dizer, é bem claro que o autor quer demonstrar algo que ele acha incrivelmente inteligente e brilhantemente orquestrado (e que faz sentido no contexto da história), mas é muito estúpido no contexto tanto da ideia quanto da execução.
Reforçando o que eu já disse aqui, a coisa toda degringola conforme a série tenta contextualizar o mal (ou mesmo maldade humana como um todo) além de uma pessoa para algo mais complexo, e, político. As tentativas de comentários políticos da série são, pra dizer o mínimo, o tipo de coisa que um aluno da quinta-série montaria sobre o assunto e que não se dá ao trabalho de enxergar uma contextualização mais complexa e interessante (de novo, o teto de vidro de um artista japonês criticando política alemã).
E a coisa toda é leviana e parva com tentativas de contextualizar o mal como algo que depende de experimentos científicos e atividades políticas e quaisquer outras argumentações e justificativas que a série tenta vender aqui e acolá, enquanto ignorando pura e simplesmente a sociopatia e psicopatia. E eu nem preciso demonstrar através de exemplos de vilões complexos de quadrinhos de super heróis ou de filmes detetivescos... Eu posso falar somente do vilão unidimensional Cérebro do desenho dos Animaniacs (e de Pinky e o Cérebro e Pinky, Felícia e o Cérebro e do reboot dos Animaniacs) com sua obsessão de conquistar o mundo.
Às vezes algo é simplesmente o que é e não é necessário mais explicação e contextualização.
Um psciopata não precisa passar por um evento traumático formado por um experimento de um cientista comunista para se tornar um assassino em série... Ele pode simplesmente gostar de matar pessoas (e o dilema do médico de salvá-lo acaba mais interessante por isso que toda uma rede de conspirações que são completamente alheias a esse fato).
E no final, Tenma confronta o assassino serial, e mesmo depois de toda a morte e crime cometido pelo segundo, ele não apenas se recusa a puxar o gatilho para atirar contra o criminoso (que estava ameaçando uma criança), como depois ainda se esforça para salvar a vida deste criminoso! Mas isso não é o final ainda pois, obviamente, Tenma precisa confrontar este psicopata uma vez mais enquanto ele está convalido para contextualizar mais suas ações e o motivo de suas ações.
E claro, fugir do leito do hospital.
Sinceramente, mesmo que eu estivesse gostando do material depois de toda a bobageira conspiratória, o final teria acabado completamente com qualquer traço de boa vontade remanescente.
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