Pronto, eu nem acho que deva escrever mais qualquer coisa e evitar clichês (sim, ganhou prêmio Eisner, sim, é uma história do Hulk que a Marvel passou a perna no Windsor-Smith mais de trinta anos atrás então virou sua história própria), e por mais que a editora Todavia não seja de todo um grande e renomado nome na publicação editorial brasileira, eles fizeram um trabalho honesto e o Érico Assis é aposta certeira para tradução de qualidade.
(Mas você pode comprar a versão em inglês por quase o mesmo preço, ou um pouco mais barato na versão Kindle, só dizendo, mas fique à vontade para verificar uma prévia aqui)
Só que nada disso faz real justiça ao trabalho primoroso, extremamente refinado e cuidadosamente produzido do autor. Cada sombra tem sua dimensão e peso. Cada expressão facial tem suas nuances e a história tanto se conta nos diálogos como nesses detalhes (belissimamente trabalhadas por Smith), ao mesmo tempo que o roteiro é um deleite para fãs das histórias clássicas do Hulk, mas funciona perfeitamente bem para quem nunca leu uma hq do personagem - e francamente entenderá tão bem quanto qualquer outro, ainda que, em 2022 com 20 anos da Marvel nos Cinemas e quase 50 da série da NBC com Lou Ferrigno e Bill Bixby, honestamente, é bem pouco provável que alguém de fato não conheça o personagem ou sua dicotomia básica que Stan Lee roubou... Desculpe, 'se inspirou' em Stevenson com O Médico e o Monstro.
Afinal, essa é uma questão da natureza humana. Do demônio ou monstro que vive escondido esperando uma chance para ver a luz do dia ao mesmo tempo que as figuras terríveis muitas vezes escondem os gigantes gentis enquanto homens que se dizem nobres e de valor são aqueles a quem devemos realmente temer.
E claro, isso é bastante raso e superficial, até porque qualquer história ruim do Hulk que não serve nem pra forrar gaiola de passarinho traz isso, e Monstros é muito maior (e melhor). No entanto destrinchar e descrever, não apenas tira parte do apelo ao material, e até estragando a experiência do leitor. E droga, Monstros não é uma história do Hulk, isso é só pano, base e estrutura mínima para moldar uma narrativa muito maior sobre consequências e, mais importante, sobre a omissão formando monstros.
Adoraria abordar mais, mas é impossível falar sobre o conteúdo das quase 400 páginas e seus vários protagonistas expondo a omissão contra negros e mulheres (mas não eles apenas) em detrimento da violência e do fascismo aflorando essas crias do inferno que se escondem bem ao nosso lado, se disfarçando como gente de bem (como heróis de guerra ou cientistas - que roubaram o trabalho de suas vidas).
Windsor-Smith reforça uma crítica comum de sua obra (já vista em Arma X de 1991) sobre o complexo militar industrial achando de seu direito o uso de pessoas como cobaias, mas vai além aqui ao lembrar e relembrar para muitos (que preferem ignorar ou fingir não ser verdade) o quando o complexo militar industrial norte-americano se apropriou de monstros nazistas como se isso fosse normal. E monstros mesmo, criminosos de guerra das mais diversas sortes que se tornam objeto da operação clipe de papel ou do Projeto Manhatan (aqui no livro o projeto Prometheus).
Não espere respostas, porque não é a proposta, mas veja perguntas bem formuladas e reflexões que, em alguns casos surgem antes tarde do que nunca. É uma pena que o preço esteja tão alto, mas, francamente, se você só for ler um quadrinho esse ano, que seja esse.
PS: Sei que nem tudo é perfeito (além de algumas reclamações com fontes e a ausência de extras, incluindo tradução de balões e mais balões em alemão que são bobas pela qualidade da obra) eu seria omisso se não comentasse sobre o grande vilão do livro que tem ali alguns problemas sérios em sua caracterização que me incomodam - de novo, sem spoilers mas eu tenho que deixar registrado que sim, é ruim a forma como é conduzido e parece algo homofóbico pra dizer o mínimo. Talvez seja minha impressão somente, mas quando o sujeito representa e traz tudo que existe de ruim na humanidade (racista, mentiroso, criminoso de guerra e estuprador só pra citar alguns dos predicados do sujeito), o fato de sua homossexualidade fazer parte do personagem torna a situação problemática... (Até porque sua identidade de gênero não era necessária em absolutamente nada na caracterização do personagem na história, por mais, inclusive, que nem seja um personagem assim tão grande na trama)
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