É muito comum esquecermos do restante do mundo quando falamos dos quadrinhos. Além do Japão e Estados Unidos parece que todo o restante do mundo se junta em algo só... Algo inclusive que nós perdemos de vista com os próprios quadrinhos nesses países. Japão tem uma pluralidade de publicações, sim, mas pra grande parte de publicações - e leitores - do restante do mundo, parece que somente os quadrinhos para garotos da Shonen Jump (de onde saiu Dragon Ball e One Piece) são quadrinhos japoneses, e nos Estados Unidos ainda que com duas grandes editoras, é muito comum perder a perspectiva que (curiosamente) existe quadrinhos além dos super heróis (eu sei, também fico surpreso).
Então o resto do mundo não por insulto mas por representatividade comparativa, acaba seguindo condições que, sim, são parecidas com isso: Expoentes claros, notáveis e reconhecidos com um ou outro grande (ou nem tanto) artista aqui e acolá.
Ou seja, quando surge um unicórnio ele domina o mercado, fazendo com que as regras se ajustem e moldem ao seu redor (que é basicamente o que acontece no Brasil se repete nos demais mercados fora do eixo EUA/Japão, ou que, sejamos francos, também ocorreu nesses mercados mas se adaptou a um novo cenário).
Para leigos (chamaremos assim) é difícil citar quadrinhos além da Turma da Mônica. Angeli, Laerte, Ziraldo e mais uma dezena de outros grandes artistas brasileiros (e sim, Danilo Beyruth e Gabriel Bá que vem puxando uma excelente corrente nova e fazendo sucesso lá fora), mas Maurício de Souza é a força dominante do mercado. Ponto.
As bancas de jornal, a quitanda do senhor Joaquim e o hipermercado internacional famoso trazem produtos da Turma da Mônica, e 9 entre 10 professores recomendam as histórias da turminha em um ou outro ponto da formação alfabetizante. Droga, achar material de qualquer outro autor nacional que não seja Maurício de Souza é um exercício de perseverança. A turminha é uma força a ser reconhecida, e isso é importante e história de sucesso.
Só que não agrega a uma cultura ou mercado editorial forte e publicações que saiam do eixo de Maurício (por mais que outros autores tentem ou tenham tentado). Outros autores tentam brigar por uma chance ou destaque e acabam barrando na estrutura que é difícil e quase uma montanha enorme para ser escalada sem equipamento ou suprimentos.
Os autores tem que tentar seguir os mesmos passos e trilha para chegar ao mesmo lugar num espaço cada vez menor. Fernando Gonsales (de Níquel Nausea) ou Laerte (dos Piratas do Tietê) tentaram galgar um espaço no mercado além dos jornais, por mais que tenham materiais compilados em livros (e até vendam razoavelmente, dentro dos padrões do mercado), e a estrutura geral acaba engessada e o 'novo' perde gás e espaço no mercado para a estrutura conhecida e consolidada.
Ainda assim existe uma tentativa (e admito que eu próprio por muito tempo cai nessa) de que existe um 'cenário europeu', o que é um tanto desonesto sob uma ótica geral. Não existe um 'cenário', existem autores e publicações esparsas com maior ou menor representatividade nos diversos países em formatos diferentes, e os materiais mais pungentes ganham maior destaque, e, não obstante, os mercados estrangeiros. É assim com o mercado italiano, francês, argentino, somali ou de qualquer outro ponto onde não existem gigantes cujo trabalho é a produção editorial de quadrinhos em massa.
E esses mercados se adaptam a essa condição e realidade.
O mercado franco/belga estruturou a produção semi-literária, com verdadeiros livros em quadrinhos e que deu bastante certo para Tintim, Corto Maltese ou Asterix. Mas e para os demais quadrinhos franceses que não deram tanto certo, como funciona? Existe um mercado editorial mais aberto a novidades e criadores ou ele dá voz a criadores ocasionalmente quando seus sucessos já vem se consolidando por publicações de tiras de jornal e eventualmente a compilação em publicações e livros (para assim se tornarem livros a partir dali)?
Mesmo a Itália - que tem muitas de suas publicações saindo por aqui e no restante do mundo, como Tex, Zagor e Ken Parker (curiosamente quadrinhos de western, gênero que ficou bastante famoso nos cinemas também na Itália com o faroeste espaguete como ficou conhecido o subgênero) - não foge exatamente desse molde. É mais uma questão de proximidade da cultura lusófona na qual estamos inseridos, das largas origens e descendências italianas nas mais diversas empresas, incluindo a maior editora brasileira, a Panini (que fica até difícil de falar sem fechar a mão em formato de coxinha, né?).
O que quero dizer com isso é que, enquanto tenho certeza que existe um mercado de quadrinhos no Zimbábue ou na Nova Zelândia, seus criadores e escritores não ressoaram de maneira a conseguir destaque maior, seja nacionalmente ou mesmo localmente para assim exceder suas fronteiras, da mesma forma como ocorre nos demais mercados. Vemos exemplos esporádicos aqui e acolá, mas no geral são exceções que fogem da regra. Maurícios, Bonellis e Uderzos.
Comumente, se o sujeito quer começar no mercado de quadrinhos, precisa produzir alguma tira de jornal (mesmo que hoje em dia os jornais tenham circulações bem menores que só algumas décadas atrás), mas ao produzir essa tira precisa imaginar uma projeção demográfica grande (que permita que essa tira cresça e se expanda para uma série mensal, uma animação e mais todo tipo de merchandising imaginável e possível... O que é bastante curioso pois é o mesmo método que funciona desde os anos 1930 e não parece ter mudado ou evoluído um átimo. Claro, claro, alguns outsiders conseguem boa projeção com tiras online (como Cyanide and Hapiness por exemplo), é verdade, mas esse mercado ainda engatinha em termos de projeção além da bolha da internet, e, até o momento vejo poucos exemplos nessa estrutura mesmo no mercado global (sim, Liniers com seu Macanudo ganhou alguma representatividade, mas não o vejo alçando voos maiores que artistas gringos e mesmo chegando perto do destaque de outros conterrâneos).
De forma geral, esses mercados fora dos eixos Japão/EUA são menos estruturados, sem editoras proeminentes em si, mas autores. Maurício publica pela Abril, Globo, Panini ou quem oferecer a estrutura que ele precisa e não muda muito para Liniers ou Uderzo. Quem tem os direitos ou negocia com os autores faz suas publicações, o que é bom para grandes autores conhecidos, mas é difícil para a chegada de novos autores ao mesmo status, assim como a chegada de autores fora dos limites territoriais (pois dependem de acordos, contratos e interesse exterior, o que muitas vezes fica difícil pela difícil tradução do material original para os novos mercados, como traduzir o Chico Bento para o mercado europeu, por exemplo).
Sem grandes editoras o descobrimento de talentos fica mais difícil, e sem o descobrimento de novos talentos fica mais difícil expandir esse mercado. Maurício passou dos 80 anos e publica a Turma da Mônica desde os anos 1950 (sim) e mesmo assim o mercado brasileiro não floriu e expandiu, o que em partes se deve à estrutura do próprio Maurício de não publicar suas histórias com créditos até recentemente. O que veremos num futuro da publicação da Mônica sem Maurício não parece muito diferente do que existe hoje, mas, parece bem pouco provável que expanda e direcione as criações para rumos mais dinâmicos, interessantes e antenados com os jovens leitores.
Então o que temos é uma condição dos alicerces somente sem um prédio para reforçá-lo ou estruturá-lo. Em alguns casos mais sólido e resistente, é verdade, mas, no geral somente isso. Somente um esqueleto que pode tombar com a direção ou força do vento.
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