A série vem num momento interessante da DC Comics, pouco depois do gigantesco reboot da Crise nas Infinitas Terras enquanto Alan Moore desconstruía o gênero super-heróico com a Saga do Monstro do Pântano (já a partir de 1984) enquanto outras grandes séries vinham no caminho como o Arqueiro Verde de Mike Grell (iniciando em agosto de 1987) ou Hellblazer de Jamie Delano (iniciando em 1988), Sandman de Neil Gaiman ou a Patrulha do Destino de Grant Morrison (ambos a partir de 1989), com a diferença das outras séries de que aqui era um autor tarimbado que trabalhara por décadas na Marvel e na DC (escrevendo fases notórias de Batman e do Arqueiro/Lanterna Verdes na década de 1970). Dennis O'Neil não era um jovem com ideias novas e revolucionárias surgindo no momento certo e aproveitando o gestalt, pelo contrário.
O'Neil poderia facilmente seguir o caminho de tantos outros autores velhos vivendo da fama das décadas anteriores (sabe, tipo o Stan Lee) e colher os louros de seu trabalho lidando somente com um serviço mais administrativo sem nenhum viés criativo. Revisa material, contrata um criador e recebe um belo cheque no final do mês. Qual o problema com isso...?
Bem, o problema é que o autor estava fascinado pelos rumos em que as histórias em quadrinhos vinham tomando na década de 1980 e a revolução narrativa e estilística - algo que inclusive ele referencia com uma das tramas incluindo o Questão lendo Watchmen (num momento bem meta à Grant Morrison) ou com o herói sem rosto de Hub City viajando para Seatle para se encontrar com o Arqueiro Esmeralda escrito por Mike Grell.
E, bem, sendo uma lenda com mais de duas décadas de história, é muito fácil entender porque a DC daria um pequeno playground para O'Neil brincar. O autor na época ainda escrevia ocasionalmente (e editava) vários títulos do Batman, mas O Questão era um espaço para suas filosofias e ideias sobre a sociedade, moralidade e, bem, tudo o mais que o autor quisesse discutir sem grande interferência pelas amarras de continuidade e, bem, qualquer outra constrição que pudesse surgir.
Então numa edição o personagem aparece com cabelo curto enquanto na seguinte está com um mullet e rabo de cavalo. Proposital ou erro de continuidade? Num arco ele viaja para uma ilha caribenha onde se fala espanhol e é o pior espanhol que já vi na vida... Intencional?
A série tem grandes momentos que são o que vale a pena recomendar (ainda que pelos parágrafos anteriores pareça que seja o contrário) - como a corrida eleitoral de Hub City, que em meio a toda a corrupção e decadência da cidade parece cada vez mais firmar a noção de desespero, enquanto explorando várias das nuances dos personagens em seus papéis. Como no caso da coadjuvante, Myra (que é a eventual amante do protagonista além da grande esperança de renovação política para a cidade) experimentando toda uma dose de crise existencial, vendo sua campanha eleitoral muito próxima com um espetáculo burlesco com ela no palco se despindo aos poucos (uma cena brilhantemente criada por O'Neil e Cowan).
Mas, claro, existem algumas coisas extremamente abjetas. Tipo o detetive racista (e nem é só um pouco racista) que morre e vira herói - com o propósito justamente de ter esse tipo de questionamento de como a morte apaga os defeitos de uma pessoa (mas, pô, isso acontece duas vezes na série) - ou o guru do Kung Fu se passando por cadeirante...
Resumindo, é bom? Bem, vale a pena conferir com certeza pois existe potencial incrível e muita coisa é realmente boa, mas existe muita coisa realmente ruim.
Só pelo fato que O'Neil (já com seus cinquentinha e tantos na época) vendo autores novos surgindo e produzindo material interessante - e ele querendo mostrar que ainda consegue aprender e produzir algo interessante... Droga, só isso já vale a pena.
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