Pesquisar este blog

26 de outubro de 2019

{Editorial} Watchmen da HBO - crônica de um fracasso anunciado

Eu não quero jogar merda no ventilador e cantar de galo que sou um grande entendido, gênio e sabe-tudo capaz de antever o futuro ou mais que isso, de entender mais de um assunto que toda uma galera que formou os alicerces e fundações do que constituí uma categoria.

A HBO criou a era de ouro da televisão, sem sombra de dúvidas e revolucionou a ideia do que é tv, desde seu já famoso 'it's not TV, it's HBO' (não é tv, é HBO), cunhado em 1996 quando sucessos televisivos eram seriados de famílias amarelas e agentes do FBI caçando homenzinhos verdes, e eles emplacaram sucesso em cima de sucesso, com prêmios, indicações e reconhecimento de toda forma que se possa imaginar.
Então é bem claro e evidente que esses caras SABEM o que estão fazendo.

Só que isso não significa, e isso também é verdade, que esses grandes executivos não se veem compelidos pelo medo do fracasso, das notícias pululando sobre as mudanças na estrutura de mídia (com conglomerados outrora gigantescos como Fox sendo assimilados pela Disney) e um presente recente de pouco brilho (uma temporada de Game of Thrones vastamente criticada e nenhum novo destaque na programação além da excelente mini-série Chernobyl, e o humorístico de John Oliver - que é um grande papa-prêmios). Mais que isso, a HBO fazendo parte de um conglomerado maior que, nos cinemas vem enfrentando derrotas acachapantes (com os filmes da DC que melhoraram bastante em performance, inclusive com Coringa quebrando recordes para filmes com faixa etária acima de 18 anos nos EUA), e a questão do desespero parece culminar vez após vez nas reuniões de pauta... E transparece quando menos de alguns minutos depois do primeiro episódio ser publicado, a própria HBO já lança um podcast sobre o seriado...


Como se manter relevante no século XXI? Como despertar o interesse de fãs ou criar algo novo, brilhante e inovador para atrair um novo público...?

Com uma das mais conceituadas e provocantes hqs de todos os tempos (constando em listas e mais listas de hqs mais influentes de todos os tempos) e que calha de fazer parte do rol de propriedades do conglomerado...?
Bem, talvez, se isso fosse ao menos genuíno, e aqui é onde o primeiro grande e acachapante problema surge.

Entenda o seguinte: Watchmen não é a hq mais conceituada e brilhante de todos os tempos pura e simplesmente porque tanto público e crítica leram e adoraram o material imediatamente a ponto de se tornar um sucesso estrondoso e retumbante.
Isso é uma versão bem reducionista e revisionista dos fatos.
Watchmen foi um sucesso moderado como uma série de outras hqs produzidas na mesma época e serviu para alavancar a produção de quadrinhos mais adultos e autorais nos EUA.

NO ENTANTO, o ponto de quadrinhos autorais é onde o grande problema surge, afinal ainda que a série seja criada, concebida e idealizada por Alan Moore e Dave Gibbons, o projeto foi solicitado pela DC Comics para relançar personagens da recém adquirida Charlton Comics (que publicava o Besouro Azul e outros personagens pequenos/menores).
Moore e Gibbons adaptaram a história para criações próprias e surgiu a hq, que foi publicada e bem recebida, e... Bem, e foi isso.

Essa inclusive meio que era a ideia nos quadrinhos de 1985. Foi publicado, lançado e concluído. Vida que segue.
Só que o mercado de hqs mais adultas e independente surgia com projetos e ideias diferentes do mainstream com histórias mais longas e contínuas, o que exigiria a contínua manutenção em estoque de edições/volumes mais antigos. Foi assim que Cerberus de Dave Sim chegou às suas 300 edições em quase 30 anos ou Bone de Jeff Smith durou seus vinte anos.
As republicações começavam a fazer parte da vida das grandes editoras com algo mais próximo da visão de livros e do mercado editorial em si, e com isso novas e mais edições encadernadas, passavam a surgir coletando hqs clássicas.

No caso de Watchmen, devido a uma cláusula contratual com Alan Moore, a ideia das republicações ajudou à DC Comics a manter os direitos dos personagens e da história (é algo bem complicado e que eu confesso entendo razoavelmente pouco mas sei que envolve um ponto sobre os direitos dos personagens/série reverterem aos criadores no caso de cessar a publicação do material - o que não acontece contanto que ele continuamente seja reimpresso e republicado, e com o sucesso, prêmios e destaques, foi basicamente o que aconteceu nesses últimos quase 30 anos), e é justamente a questão das cláusulas e brigas contratuais da DC com Alan Moore que serviram para quase 30 anos de discussões e polêmicas para o material.

Resumindo a coisa toda: Até 2009, quando Zack Snyder lançou o filme baseado na série, as conversas entre Moore e DC estiveram em uma longa guerra fria, num cabo de guerra interminável mas que nenhum lado parecia minimamente interessado em dar o próximo passo (a DC queria faturar mais com a história lançando continuações, filmes, jogos e o diabo a quatro, enquanto Moore, bem, sabe-se lá o que Moore queria).
Com o filme surgiu uma brecha (afinal, Moore meio que deu à benção para que Dave Gibbons decidisse o que fazer com os direitos em outras mídias e Gibbons apoiou o filme de cabo a rabo), e não tardou para surgirem outras expansões do universo de Watchmen. Um jogo baseado no filme foi lançado, em 2012 surgiu um evento contando diversas histórias de antes de Watchmen, agora em 2018/2019 mais uma continuação/crossover e claro uma cacetada de merchandising...

Ou seja: A DC passou a atacar mais pesado e empurrar a série güela abaixo dos leitores para saturar o material até onde fosse possível e cabível monetizar.
Com o seriado da HBO fica claro desde o primeiro fragmento de chamada que é essa a premissa mais básica. Monetizar em cima de uma marca famosa.

Não que isso seja de todo mal ou fracasse (ou fadado ao fracasso), afinal deu muito certo com Game of Thrones e mesmo Westworld (que teve uma reação bem mais morna, apesar de em minha opinião ser bem mais inteligente e interessante). 

O problema nisso é ENTENDER o ponto dessa marca famosa e criar a partir daí um universo ficcional contundente e interessante ao espectador, e aqui fica difícil para, mesmo os melhores produtores da HBO porque verdade seja dita, o universo de Watchmen é chato pra cacete.

Não me leve a mal, Watchmen é uma hq fantástica devido sua premissa questionadora da lógica de histórias em quadrinhos (o que força , mas seu universo ficcional é enfadonho ao ponto que o próprio universo ficcional reconhece isso (seja com Ozymandias reconhecendo que não possuí uma galeria de vilões interessantes ou quando mesmo em um castelo de vidro voando por Marte, tudo o que o Doutor Manhattan consegue fazer é discutir filosofia).
Os personagens são mais duros, secos e mau humorados. As piadas são lúgubres e de humor negro e os personagens mais relacionáveis na história são psicopatas...
Este não é um universo animador e interessante (cheio de peitinhos e dragões ou peitinhos e robôs, ou peitinhos e mafiosos/traficantes). É um mundo depressivo em que o ser humano mais poderoso se vê inerte diante da filosofia sobre os limites de seu próprio poder.

Então, é um fracasso anunciado ou o seriado conseguirá conquistar corações e mentes em alguma reviravolta triunfal?
Bem, aí é que cabe a grande discussão, afinal o niilismo e fracasso fazem parte inerente do universo de Watchmen. Então é possível uma história sobre o fracasso inerente ressoar como inspiradora para público e crítica no cenário de 2019?
É possível, é bem verdade (afinal, parece bastante o cenário cada vez mais visível em nosso horizonte), mas não sei ainda exatamente a qual fracasso o seriado se apregoará.

Nenhum comentário:

Postar um comentário