Pesquisar este blog

16 de agosto de 2017

{Editorial pt 2} O efeito dos anos, a continuação.


Em 1971 Jack Kirby lançou a primeira edição do seu mais novo épico, o personagem com roupas chamativas que envergonharia até o mais ávido carnavalesco, Senhor Milagre, contando as aventuras do artista de fugas Scott Free.


Você pode saltar para 2017, quando no aniversário de 100 anos do Rei Kirby, o artista Mitch Gerads com os roteiros de Tom King e temos essas duas capas da edição 1 de 1971 e da edição 1 de 2017 e, visualmente já salta aos olhos uma enormidade de diferenças.

Só de olhar as duas capas, já sobram os balões de fala, os recordatórios com a explicação sobre o personagem cheios de pontos de exclamação (Ele engana a morte! Ele desafia o homem! Nenhuma armadilha pode segurá-lo!) para uma capa mais sóbria com um breve comentário sobre um conceituado artista dos quadrinhos (bem próximo do que se faz com a caixa de filmes ou seriados.
Mesmo as cores, que eram uma enorme limitação tipográfica na época de Kirby (note como elas seguem uma estrutura mais primária, com cores sólidas e com poucas variações) enquanto o uso de técnicas modernas de coloração por computador permite uma gama fantástica na composição de cores, criando efeitos impressionantes na capa de 2017 (parece realmente que existe uma fonte de luz apontando para o personagem título no centro de um palco).

No conteúdo, claro, existem outras mudanças com a evolução do estilo, estrutura e composição narrativa. Os tradicionais balões de fala foram mudando, evoluindo e passando por diversas transformações na forma e contexto - ficando cada vez mais discretos e integrados à imagem (a capa de Kirby mostra bem como eram as estruturas de balões na década de 1971, e compare com a imagem abaixo da edição 1 de 2017):


Não existem contornos para os recordatórios, o balão é sútil, até pela existência de cores menos berrantes e primárias, e mesmo a composição de arte traz formas e técnicas de pintura e ilustração que seriam um sonho pra lá de distante nos tempos de Kirby...

A forma de contar histórias mudou (não são mais usadas margens bem definidas para os quadros e suas transições, recordatórios não são apenas uma forma do autor conversar com o público mas um recurso narrativo mais robusto - permitindo substituir diálogos, o pensamento de monólogos do protagonista e outras dezenas de opções), e, claro, os autores mudaram muito, com gente cada vez mais gabaritada para concorrer num mercado altamente competitivo que não aceita mais que um vilão feito de areia seja aprisionado por um aspirador de pó...

O que isso tudo quer dizer?
Que Kirby, se estivesse vivo não conseguiria se adaptar com o passar dos anos e mudança de estruturas e formas narrativas? Dificilmente, pois era um talento único e Eisner foi prova viva de que é possível adaptar seu texto e sua estrutura narrativa com os tempos (e é só ver seus primeiros trabalhos na década de 40 contra suas últimas graphic novels), mas, inequivocadamente podemos dizer e garantir que as coisas mudam, e, com alguns intervalos de tempos, quando comparados lado a lado já fica visível o quanto, saltando aos olhos.

Até porque não podemos esquecer as porcas tentativas de reboot com o personagem (em 1989 e 1996)...

É fácil em algumas estruturas (com jogos, agora com os 'remixes' e 'remasteres' tem vários modos para comparar os gráficos de hoje com os de quando o game foi lançado), e mais complexo com outras (como com series ou filmes, se analisarmos, por exemplo, o remake de 1999 de Psicose de Gus Van Sant contra o original de Alfred Hitchcock de 1960).

No fim tudo se resume a uma questão de conteúdo vs apresentação, e, a verdade é que com os anos passamos a exigir mais da primeira e menos da segunda, afinal tolerávamos apresentações inferiores - como um japonês fantasiado de lagarto gigante destruindo cidades de papelão - como limitações da época, mas que hoje soam e parecem tolas.
No quesito conteúdo, no entanto, acho que vamos ficando cada vez mais críticos - e é mais fácil relevar algo antigo do que perdoar algo novo.

Até porque, a apresentação é uma questão de estilo, e conteúdo é a diferença entre a qualidade e brevidade de um material.

Nenhum comentário:

Postar um comentário