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10 de junho de 2016

{RESENHAS} Coleção José Saramago - Volume 1

Essa é, sem sobra de dúvidas a coleção mais bonita já publicada no Brasil, com um acabamento lindo na capa, um papel suave, liso e bastante delicado para o conteúdo - destacando bem a qualidade e impressão do texto, e, se havia alguma dúvida da qualidade superior da Companhia das Letras nas publicações de Saramago no Brasil, bem, todas elas desaparecem.

Tenho a versão em capa mole da Bertrand (parte do grupo Record) de Memorial do Convento, e ainda que obviamente não exista grande diferença na parte do conteúdo (afinal, não é como se fosse necessário traduzir do português para o português), há, sim, diferença na estrutura (desde a simples formatação do texto e sua posição na folha as condições mais complexas sobre a estruturação destas no volume - que incluem a quebra de capítulos em folhas em branco ou não), e, sem qualquer jabá (afinal não recebi nada pra isso, pelo contrário, comprei todos os volumes sem desconto...), a versão da Companhia é bem superior.

Não quero desmerecer a Bertrand, longe disso, mas a leitura na versão da Companhia é mais agradável, mais fluída graças a estrutura do texto, o que propicia melhor compreensão e cadência.
E isso é muito importante quando se trata de Saramago, que, sem sombra de dúvidas é um dos maiores autores contemporâneos (e sim, eu sei que ele morreu, mas ele continua um dos melhores ainda, lidem com isso), mas grande parte de seu apelo consiste nos longos parágrafos sem pausas - ou com pausas sutis. Uma cadência inferior quebra o ritmo e faz perder o sentido, o fio da meada, uma provocação...

O grande problema dessa coleção - não só deste volume - consiste na caótica e bizarra escolha das obras para compor o (cada) volume que não parece seguir qualquer ordem ou lógica. Quer dizer, obviamente não é cronológico, como destaco pelos anos de publicação de cada livro deste volume 1:
O Memorial do Convento (1982), Levantando do Chão (1980), Manual de Pintura e Caligrafia (1977), O Ano de 1993 (1975) e As Pequenas Memórias (2006).

Por divisão temática, também não parece exatamente o caso, o volume seguinte traz O Ensaio sobre a Cegueira de 1995 e O Ensaio Sobre a Lucidez de 2004 que são de certa forma continuações, mas As Intermitências da Morte de 2005 que é curiosamente uma continuação espiritual está somente no volume 4. E ainda que Os Cadernos de Lanzaronte I e II estejam/estarão no volume 6, estes livros poderiam dividir espaço com Que Farei eu com esse livro? (que está no volume 2).
De mesma maneira, não é uma estrutura que separe romances, crônicas, poesia, peças teatrais e livros de memórias (de novo, Cadernos de Lanzaronte estarão no volume 6 enquanto As Pequenas Memórias estão no volume 1).
E por número de páginas, bem, o volume 1 tem 1275, o volume 2 tem 1251, o terceiro 1659 e o quarto 1595. Ainda que a diferença seja pequena nos dois primeiros, ela aumenta substancialmente para as sequências...

E nisso acho que cai outro grande problema da coleção... Com o título de 'Coleção Obras Completas', é no mínimo curioso o quanto a coleção é 'incompleta'. Quer dizer, parece insano que nos volumes se omitam obras como o primeiro romance de Saramago "Terra do Pecado" de 1947 e mesmo o incompleto último "Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas" lançado em 2014 que seria um belo extra.

De mais a mais, sim, é um dos maiores escritores de língua portuguesa de todos os tempos, e é uma coleção linda (vide a foto), mas com o preço de capa de R$144,90 por volume são reveses demais para se levar em conta, e é fácil entender porque qualquer leitor esperaria mais.


Dito isso, o volume em questão traz dois dos livros que mais desgosto do autor (o confuso "O Ano de 1993" e "As Pequenas Memórias"), e enquanto eu já tinha lido o primeiro livro que encabeça a coleção, Levantando do Chão e Manual de Pintura e Caligrafia me eram completamente inéditos.
E o que dizer? São incríveis!

Fiquei vidrado na leitura, com um sorriso no canto dos lábios e uma compulsão enorme por anotar cada uma das sentenças que Saramago escreveu magistralmente para adentrarem meu caderno de citações. Seja em grandiosas observações sobre como a arte, ainda que se manifeste sobre diferentes formas, tenha em suas limitações a maior de suas semelhança (o 'autor' de Manual de Pintura e Caligrafia é um pintor frustrado questionando a incapacidade de reproduzir com fidedignidade o mundo em suas telas e que, ao início, se vê liberto com as possibilidades da pena e papel), ou em conotações mais sutis sobre a natureza humana (e outras nem tão sutis que vão sobre a sociedade e o cerne do que nos diferencia de outros animais).

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