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2 de setembro de 2015

{EDITORIAL} Continuando o trabalho de autores falecidos

Semana passada foi lançado no Brasil pela Cia das Letras (acho que foi lançamento mundial, inclusive) o livro "A garota na teia da aranha", continuando as histórias de Lisbeth Salander criada por Stieg Larsson (como você pode ver na capa, o nome do falecido autor está ali como aquele carimbo para garantir a autenticidade).

Eu não li, não quero discutir o talento literário de David Lagercrantz (não o conheço) nem se há uma história por trás da história, como no caso dos livros de Kafka ou John Kennedy Toole (o que não acho que seja o caso, acho que está mais para a situação de Harper Lee).

É importante destacar a enorme diferença entre CONTINUAR (como você pode ver claramente na capa de 'a garota na teia da aranha' existe um número 4 e menos sutil um 'continuação da série de Stieg Larsson' para o caso de alguém ainda estar em dúvida) e ADAPTAR. A adaptação requer que o novo autor utilize elementos de uma história original e faça a partir disso o seu próprio show (Thomas Mann, Goethe e Christopher Marlowe escrevem suas própria interpretações da história do médico que venda a alma para o diabo).
Ela proporciona o estabelecimento de paralelos ou atualização para uma história, conto ou lenda de outra região ou época.
Continuar é seguir em uma estrada já pavimentada e fazer assentamento e crescer (ou concluir) a história. Em muitos casos faz bastante sentido a ideia de conclusão principalmente em se considerando o falecimento prematuro de um autor antes de apresentar o capítulo final de sua história (vide o caso recente de George R R Martin, que pretende lançar ao menos 7 livros para suas Crônicas de Gelo e Fogo - de Guerra dos Tronos - porém sua saúde pode não colaborar para que o livro final seja escrito).

O caso dos quadrinhos é, sem dúvida, o pior exemplo que imagino, pois mescla um pouco de ambos os aspectos (um novo autor oferece sua particular visão sobre um personagem, e invariavelmente muda completamente a perspectiva sobre o personagem... O Coringa criado nos anos 30 é bem diferente do Coringa de 2015, mas mesmo que o Coringa dos anos 60 ou 80).
Jack Kirby concebeu sua grande epopeia espacial em "O Quarto Mundo" e, ainda que ela nunca encontrou seu final, ela foi estruturada de forma a ter um. E ser isso.
Não que em 2016 a DC Comics lançasse de novo ou uma nova versão da história acrescentando/modificando personagens e elementos como bem entenda (pois eles detém os direitos sobre os personagens e pagam alguns míseros royalties para os familiares e fica por isso mesmo).

Com os livros parece uma rota intermediária, com gente que de fato respeita o trabalho original, tem inclusive alguma admiração pelo trabalho e autor, mas sabe que ter seu nome associado a algo mais famoso que tudo que já fizeram até então alçará suas carreiras (Lagercrantz tem como seu trabalho mais famoso a biografia do jogador Ibrahimović...)
Ainda que não seja exatamente absurdo e abstrata a ideia de continuar um trabalho em memória de um grande criador (o caso de 2666 de Bolaños é meu exemplo mais nítido na área, mas é verdade que o livro estava pronto, só faltava a edição), e mesmo dar voz a projetos inacabados ou jamais planejados (Spielberg lançou Inteligência Artificial somente para honrar a memória de seu amigo Stanley Kubrick).

Claro que isso não muda o material de qualidade produzido pelo autor original (e em nenhum dos casos, diga-se de passagem), ainda que pra mim, particularmente, haverá sempre uma resistência por tal material. Primeiro porque pra mim vai sempre ser fanfic (ficção de fã), não importe o quão bem escrito.
A literatura é um meio de arte bastante maduro e competitivo (ao contrário dos quadrinhos - pouco maduro e largamente cooperativo, uma vez que DEPENDE da sinergia de roteirista e artista), e ainda que exista interferência editorial e n fatores que podem diluir a voz de um autor, ela está ali.
E é ela que define ambientação, personagens, estrutura narrativa...
Esse universo todo já existe e, é no mínimo estranho que outra pessoa tente fazer o papel de narrador, e vai ficando mais estranho conforme as diferenças nos são notadas, ou pior, nos são gritantes.

Jorge Luis Borges escreveu belamente diversas "obras perdidas" ou outras que ele alegava como traduções de gente como Stevenson ou contos das Mil e uma noites. Eoin Colfer tentando ressuscitar O Guia do Mochileiro das Galáxias...? Nem tanto.
Sem sombra de dúvidas, tudo depende (mais) de bom senso e talento.

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