Pesquisar este blog

22 de novembro de 2013

Quem vigia os vigilantes?


Talvez a obra mais importante dos quadrinhos desde que a indústria nasceu nos Estados Unidos, Watchmen é uma marca, sem sombra de duvidas, de uma mudança no panorama da indústria e o estabelecimento de um ponto focal, um divisor de águas sobre o que define as histórias em quadrinhos como obras de arte - e até mesmo literatura, pergunte ao New York Times.

Mas, antes de continuar, é importante destacar que é uma obra difícil, e que acaba tendo grande parte de seu conteúdo perdido - ignorado - pelo fato de muitos dos leitores em sua primeira leitura se fascinarem pelo choque causado pela crueza com que retrate a violência, sexo e a faceta asquerosa do que há em nossa sociedade. E esse choque retratado pela belíssima arte de Dave Gibbons (com uma coloração incrível e perfeitamente combinada com o tom do material), que muitas vezes rouba a atenção dos leitores incapazes de entender uma tira de jornal de domingo - e eu nem estou falando daquelas (sem-graça) tiras cabeçudas do Laerte ou do New Yorker, cortesia de Jerry Senfield.

Entender a estrutura e a forma é metade do caminho, uma vez que isso é o que define e compõe Watchmen. É aqui que entram os contos da maldição do A Condenação do Corsário interpolando-se com a narrativa principal, os anexos ao final de cada capítulo (como Sob o Capuz de Hollis Mason, o dossiê sobre o Dr Manhattan e a ficha de produção de figuras de ação de Ozymandias das indústrias Veidt), a composição de páginas e quadros elevada à enésima potência (principalmente no capítulo 6 "Terrível Simetria", que compõe exatamente essa simetria na composição dos quadros tanto do começo pro fim quanto do fim pro começo) além das convenções para o desenvolvimento e estruturação da história. A história não é linear, e esse é um ponto importante - e muito diferente do comum a histórias em quadrinhos.
Na verdade, a história ocorre em momentos diferentes ao mesmo tempo. Temos os flashbacks, temos as versões diferentes sobre um mesmo fato (compondo uma figura maior), temos os bastidores ocultos em toda a história (mas claramente com um papel fundamental, como os presidentes estadunidenses e russos no conflito iminente no Afeganistão), e temos as narrativas em prosa, dos anexos. Há, em sombra de dúvidas, um grande empenho na forma, e, para os olhos mais atentos, cada quadro e enquadramento conta pesadamente para a composição do quebra-cabeças.

Mas, como está no começo do parágrafo anterior... Isso é só metade da coisa.

A segunda metade depende de noções mínimas de história (do século XX principalmente), de fatos históricos e do mercado de quadrinhos norte-americano.
Como a publicação de Action Comics #1 (com a primeira história do Superman), que, aparentemente é um fato inócuo a nós, mas, no universo de Watchmen, levou pessoas a tomarem as ruas fantasiadas como vigilantes para combater o crime. Esse, para o leitor mais atento, é o ponto inicial para perceber a diferença fundamental entre esse universo ficcional e o nosso mundo real, mas ainda há muito mais.
Por exemplo, a diferença no Vietnam quando os norte americanos possuem como aliado um homem capaz de manipular o átomo (e de vencer a guerra com um movimento de mão). Ou que Nixon não tenha passado pelo escândalo de Watergate (o que lhe concedeu sucessivas reeleições), graças, a essa vitória no Vietnam e à popularização dos heróis mascarados, atuando como agentes do governo.
Ou a guerra fria, em um constante alerta máximo, uma vez que toda a teoria de deterrância depende de um único homem (o Dr Manhattan) ao contrário de todo um intrincado e delicado conceito.
Ou ainda, que, num mundo onde um homem com uma máscara é visto como um herói (e tem toda a liberdade para bater em pessoas e ser visto como 'nobre' por isso) que alguns psicopatas possam se aproveitar para ganhar as ruas.
E é justamente essa análise/visão sobre a psicopatia (afinal, que tipo de pessoa acha justificável sair a noite para combater o crime sem o recebimento de um salário?) que define a grande pergunta e mote da série, e cunhada pelo filósofo romano Juvenal no original Quis custodiet ipsos custodes? que equivale a "Quem vigia os vigilantes?".

Nenhum comentário:

Postar um comentário