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18 de setembro de 2013

Ato 2 - A crise de identidade (parte final)


As últimas notícias que tive de Verônica vieram numa noite chuvosa, quando o telefone tocou nervosamente, e, pensando por um minuto que fosse Marina, corri em sua direção. Sua voz suave e doce era como brasa em meu peito. Sentia grande agonia, e constantemente pensei em desligar o telefone.
Não fui homem o bastante.
(Não sou homem suficiente para admitir que eu liguei para ela. Não... Não consigo. Preciso dizer que foi ela quem ligou. Preciso acreditar nisso. Que aquelas noites em que passamos por horas conversando, que ela tomara a iniciativa. É algo no que preciso acreditar... Preciso que seja verdade).
É difícil falar sobre uma mulher que, um dia julguei ser perfeita, sem realmente abusar de elogios e fantasias. Eu amei Verônica, e isso é verdade. Isso foi verdadeiro. Jovens, inexperientes, cheios de ideologias, sonhos e idiotice juvenil. Buscando inspiração. Buscando nos rebelar contra o sistema opressor e maniqueísta, sempre querendo ou fazendo algo chocante e igualmente estúpido para alterar as concepções, para ver um mundo diferente. E buscamos nos amar, nos apaixonar, e nos descobrir.
Não fui capaz de vê-la com outro quando terminamos, por mais pacífico, honesto e calmo que tenha sido nosso fim. Vê-la em outros braços, e isso me fez começar a ver que a idade adulta, a época de realmente crescer e amadurecer começava.
A adolescência voa, os ideais começam a parecer menos importantes que se manter, que pagar as contas, que comprar os livros da faculdade, e procurar um emprego, se conformar e seguir um caminho normal e careta parece cada vez mais lógico e coerente.
Aprendemos a lutar nossas batalhas, e quais valem a pena seguir adiante, de quais devemos desistir. Nem todo mundo nasce para mudar o mundo, e, nem sempre se muda as coisas da forma que se espera.
O discurso vazio de adolescente, com algo falso e pragmático de boutique, ignorante à realidade e à condição humana não é rebeldia ou mudança. Não... Era minha forma de parecer autêntico com um clichê que só era diferente dos demais. Era a forma de buscar atenção no colégio, como tantos outros faziam, através de notas perfeitas, ou arranjando brigas, desafiando os professores e ou pregando peças, ou presunçosamente tocando um violão em círculo com uma turma. Cada um busca a forma que lhe parece mais agradável, ou que lhe parece mais fácil. É como vivemos. Quis ser um revolucionário, para parecer legal, agora sou um lunático, sozinho, brevemente desempregado e tentando reconstruir a vida.
A vida segue.
***
Não sei se foi um sonho, uma ilusão ou o que pode ter acontecido, mas lembro de uma noite particularmente sem graça,e estava saindo do serviço, desanimado e um tanto deprimido, devo dizer.
Nada demais, um tempo chato, nublado apenas para cobrir a lua, afinal a noite era quente e abafada. Encontrei-me com alguém que, honestamente, não pensei que veria novamente em qualquer momento de minha vida: José Antônio Leão, alguém ainda mais desiludido e deprimido que eu.
Conversamos por dez, talvez vinte e tantos minutos. Ele falou de sua vida, das condições e como muitas coisas ainda estavam mal, e outras ainda piores.
A esposa doente, já há algum tempo, com um tratamento caríssimo e que somente minimizava os efeitos – sem qualquer perspectiva de algum dia curá-la. A filha, grávida, abandonada pelo pai da criança, e, voltando para casa, pedindo ajuda dos pais. Haviam outros problemas, alguns que ele fez questão de enfatizar, outros de sublimar.
Fiquei um pouco mal. Voltei direto pro apartamento após essa conversa, pedi alguma coisa pelo telefone e passei o restante da noite quieto e tranqüilo, tentando digerir tudo aquilo. Sentia um tanto de responsabilidade, uma vez que agora tinha contato direto que era quase parte daqueles responsáveis pela injusta demissão dele no passado. Também pensava no quanto eu poderia me tornar naquele homem num futuro... Após minha saída da empresa... Após tentativas e mais tentativas não sucedidas de seguir com minha vida... Seria aquele meu destino?
Não lembro quando foi a última vez que senti vontade de fumar na vida.
Sete, talvez oito anos atrás, quando já tinha parado de fumar por algum tempo, eu acredito. Acho que estava começando a trabalhar, e o estresse estava me consumindo e me forçando a repensar a decisão. Naquele momento, mal percebi como ou quando exatamente eu sai para comprar um maço.
Ele me encarava, desafiador, como que pedindo ‘só um, vamos’.
Tirei um e segurei por algum tempo, diante da janela, pensando em acender. Em como iria soltar a fumaça pela janela como que em um ritual, expelindo minhas preocupações, dúvidas e meus demônios através deste ato.
Foi uma noite difícil, tive diversos pesadelos, minha digestão foi terrível durante todo o período e somente graças a remédios digestivos não regurgitei. Esse sentimento me assombrou por mais alguns dias...
***
_ Onde os sonhos vão para morrer, você me perguntou certa ocasião, e essa pergunta me acompanha e vem perseguindo por dias e semanas agora... Confesso não saber responder acuradamente, não pelo fato da geografia de lugares abstratos não ser exatamente clara ou direta. Paraíso e inferno são mais simples, claro. O paraíso é onde está nosso coração, ou onde encontramos conforto e paz, como religiões de todo o mundo denotam e declaram. O inferno, porém, é onde o homem cai de seu pedestal, vê a brutalidade e selvageria de sua natureza, e toda a dor e destruição que essa pode carregar ou produzir.
Os sonhos porém, jamais tocam a terra. Jamais chegam ao chão, ou saem dele. Pairam e vivem no ar, na dimensão do ontem fantástico e do amanhã utópico, e, estes reinos mesmo que sem seus adjetivos, jamais estarão em nosso alcance. Não... O amanhã pertence à fantasia, como os sonhos. A um reino etéreo e lúdico onde homem algum pode entrar se munido de preconceitos, a menos que seja a esperança.
Faz uma pausa, dramática ao mesmo tempo que necessária. Um homem precisa molhar sua garganta também, afinal, para que mais palavras possam ser proferidas.
_ Os sonhos, meu amigo, são parte importante da tradição oral humana, da necessidade por comunicação estabelecida por este animal social, tão afoito e preciso de contos, fábulas e mistérios.
Compreender os sonhos é um mistério profundo e complexo, que, mesmo com toda a tecnologia do mundo seria um estudo dificilmente proveitoso. Não, não creio que seria de qualquer proveito mesmo.
Os homens buscam respostas para os mistérios do mundo, e, o mundo se recusa a nos oferecer estas respostas facilmente. Buscamos refúgio em nós mesmos, e surgem as histórias. Nossa mente é algo fabuloso, por mais que compreendamos dela tão pouco. Nascem os mitos da criação. Nascem as suposições primordiais. Daí surgem as visões de mundos cintilantes e capazes de despertar e fascinar nossa própria imaginação.
Assim nascem os sonhos.
A forma de, continuamente estimularmos nossas mentes em busca de respostas e mistérios divinos cada vez mais complexos e fantásticos. A forma de continuarmos com nossas histórias, e a criar novas e mais fantásticas histórias. De estimularmos nossas mentes arcaicas e imunes à fantasia devido a constante imersão num mar de cinza, num universo particular e restrito da rotina do dia-a-dia.
Uma nova pausa, um novo gole de água.
Veja bem, a rotina, a constante é algo que, em tempos primievos salvou nossos ancestrais, impediu que a grande maioria de nossa população – que em dado momento, como você deve saber, chegou a perigosos índices de menos de cem habitantes em todo o globo – e isso faz parte da cultura, do pensamento comum humano, de que a rotina, repetição e padrões são bons. E que seria loucura buscar além disso. Desbravar.
Curiosamente, são os desbravadores e aqueles capazes de ousar que ganham a história, valendo-me do chavão britânico ‘quem ousa, vence’, mas isso é outro assunto. Doravante, estes sonhos pululam e se dispersam por nossa mente e nosso dia-a-dia para que sejam facilmente identificáveis, e assim igualmente facilmente compreensíveis.
Não... Isso saiu errado.
Os sonhos são parte de nós. Parte de nossos temores, de nossas ambições. De nosso universo particular querendo compreender o universo maior, explorar e desbravar e compreender o todo, a partir do pouco que temos e somos capazes de conceber. São esperança e inocência.
E afinal, onde vão estes para morrer, eu me e te pergunto?
Hum-ram (pigarro).
Eles não vão. O máximo que pode ser feito deles, é ser esquecidos e negligenciados, ignorados e deixados de lado. Como um livro antigo, guardando pó.
Somos, meu amigo, a essência desses sonhos. A matéria-prima deles, e, somente com nosso passamento é que estes poderão assim também fazê-lo.
Silêncio.
_ Mas a vida não é uma obra literária.
_ Não creio que seja...
_ Então, não é nada prudente interpretar o mundo da mesma forma, correto?
_ Bem, nos é dada uma perspectiva limitada, o que nos impede de ver a figura toda... Não somos capazes de compreender o conto todo, uma vez que só conhecemos e sabemos interpretar completamente um dos personagens.
_ Então, o que fazer?
_ Viver, meu amigo. Creio que só podemos viver, e deixar que outros se preocupem com nossos contos.
***
Já é começo de dezembro quando consigo finalmente estabelecer alguma nova conversa com Marina. Ela diz-se mais calma e disposta a oferecer a bandeira branca, para que possamos ao menos estabelecer uma relação civilizada, em virtude de nossa menina. Minha mãe havia nos convidado para o jantar de Natal, sem saber de toda essa briga que tivemos, e fiz de tudo para que pudéssemos, ou estabelecer um relacionamento honestamente bom ou pelo menos atuar sobre isso.
Saímos para jantar, como um experimento. Acredito que funciona bem, apesar de todos os silêncios constrangedores, os olhares para o nada e uma vasta soma de momentos que poderíamos ambos passar sem vivenciar novamente. Existe um elefante na sala, e ninguém quer ser o primeiro a mencionar.
Principalmente porque ele não é o problema.
Não... Somos nós.
Não existe mais um nós. O vaso está quebrado, e não importa quão habilidoso seja com a cola, sempre haverá rachaduras.
Humpf.
***
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