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31 de julho de 2013

Ato 1 - A vida, o universo e tudo mais (final)


O barzinho está vazio. É cedo, típico horário de happy hour, e um lugar propício e perfeito para reunir-se com um velho amigo, que não vejo a muito tempo, e, honestamente fiquei até surpreso em receber uma ligação para marcarmos algo. Fausto queria me oferecer uma vaga no departamento de cursos e desenvolvimento. “O salário é um pouco melhor que quem trabalha em agências... Mas o horário é mais flexível, o serviço bem menos complexo, e, com algum esforço, e a minha indicação, você passa a chefiar o negócio todo num piscar de olhos”.
Fiquei pasmo, e, por algum tempo não tive reação.
_ Você sempre me falou sobre como queria mudar a gestão de cursos e a forma como os funcionários são preparados... Trazer idéias novas. É sua oportunidade.
Conversamos por um bom tempo. Quase uma hora, na verdade, e, nunca tive uma conversa tão esclarecedora e estarrecedora ao mesmo tempo.
“Você precisa entender que, promover uma pessoa incapaz e despreparada para o cargo, não só é, devido a indicação de pessoas igualmente incapazes e despreparadas que estão nos cargos acima, como uma estratégia e gestão lógica, até motivacional (...) Se um sujeito esperto e dedicado vê que, uma completa aberração que sequer tem talento consegue uma promoção, juntando dois e dois ele vê que, com seu potencial e talento, tudo que ele precisa é ambição. Talvez até o que mais precise. Com ambição... Com gana de crescer de mostrar serviço, em questão de tempo esse funcionário estará com um bom cargo. Quando falta a ambição, a acomodação toma o lugar, e não importa o talento ou o potencial, pois o conforto, como uma âncora, segura a pessoa, no ponto em que estiver (...) Eu sei que muitas vezes o sistema é falho mesmo com as pessoas que tem ambição. Muitas vezes, aliás. Claro... Existem mais pessoas ambiciosas, talentosas e capazes que cargos! É preciso certa paciência, ou visão, ou foco. No meu caso, mesmo... Eu poderia ter ficado no Cosette, ganhando bem que eu estava, com um trabalho bom que eu tinha, e ficar estagnado pelo resto de minha carreira. Ou poderia tentar usar minha influência, meu talento de forma criativa entrando para a política. Arrisquei, abri mão da segurança e fui recompensado com vasta experiência, com uma nova visão de mundo... E acabei voltando pra cá com um cargo maior, e, que jamais seria oferecido pra mim se tivesse ficado. Nem em anos... (...)Se existissem dois sujeitos iguais a mim, com mesma formação, mesmo histórico, enfim, idênticos em tudo, entrando no banco na mesma época, da maneira que fosse – na mesma agência, em agências diferentes... Em planetas diferentes, se você quiser! – nada garante que as mesmas portas pudessem ou fossem abertas, ou no mesmo tempo ou de qualquer forma. Tudo que trata de pessoas depende de mais variáveis que uma fórmula poderia definir. E muitas variáveis são impossíveis de se explicar. A sorte, a maior e mais prolífica de todas as variáveis, e tudo fica a sua mercê. Se você pára pra pensar um pouco sobre isso, é assustador, quanto talento e esforço não podem e não foram desperdiçados porque uma outra pessoa teve um pouco mais de sorte? (...) É a questão de ‘segurança’, ou ‘estabilidade’, ou o que eu vejo, chamo e defino como ‘criar raízes’. E isso é uma droga. Quando você acha que está ‘seguro’, é porque as coisas ficaram fáceis. É porque você se acomodou, e, se você se acomoda, é porque simplesmente não se importa mais. Quer seja porque você perdeu uma promoção garantida, ou porque parece que nada faz sentido, ou por um motivo metafísico sobre a explicação dos motivos de estarmos aqui e tudo mais ou simplesmente porque você nunca se importou, uma vez que não é exatamente o que você gosta ou quer fazer. ”
Essa última frase me atormenta ainda em muitas noites. Não que eu ache que ele tenha dado alguma indireta, uma vez que se fosse essa a questão, ele não teria todo o trabalho para montar aquele argumento, e de me ligar pessoalmente sendo um vice-presidente como era. E Fausto não é desse tipo de sujeito. Ele é mais de falar o que pensa, mesmo que não se conecte muito com o assunto, faça algum sentido, e, principalmente, caso vá ofender alguém. Ele é um tipo que acha que ‘usar palavras moles para poupar os sentimentos de alguém é covardia, o que precisa ser dito precisa ser dito, e que o seja da forma que passe a mensagem mais eficiente’. E, esta noite definiu o rumo de meu último ano e meio.
Aceitei o cargo, claro, afinal, era a coisa certa a fazer, mas as perguntas... As dúvidas começaram a surgir... A piscar repentinamente em minha cabeça, como pipoca estourando ao fogo. “Será que isso é algo que eu realmente quero? Será que não é hora de, buscar um sonho... Seguir meu instinto e buscar meu próprio destino?”. Num desses dias, eu me lembrei, enquanto fazia a barba, de um dia, quando eu tinha quatro anos, e vi, pela primeira vez uma reportagem sobre astronautas e toda aquela montagem lindíssima e idílica sobre a viagem à lua – algo a que Virgílio se referia como uma metáfora para o homem fugindo de seus problemas em casa, ou no caso no planeta, como óbvia referência aos poemas de viagens e as Road trips como On The Road de Kerouack, com a liberdade do espaço infindo como contraponto ao espaço confinado da vida moderna, ou algo menos relevante e igualmente pomposo – e me fez pensar, em como seria legal fazer aquilo. Claro que todas as crianças quando pequenas querem ser astronautas... Claro que toda a ficção científica dos ‘Flash Gordons’ e ‘Buck Rodgers’ fizeram crer que a viagem no espaço seria em questão de décadas algo tão comum e normal como hoje são as viagens internacionais de avião... Mas não era isso. O que eu queria, era menos o trabalho de astronauta, desde aquela idade eu sabia disso. Eu queria pilotar um foguete, ou qualquer coisa que mesmo sendo incrivelmente pesada ainda fosse capaz de se levantar e desafiar a gravidade. Isso foi aos meus quatro anos. Com cinco eu descobri que tinha vertigem, abissal vertigem quando em decorrência de lugares mais altos, e capaz de me desorientar bastante.
Isso foi suficiente para matar meus planos de ser um explorador espacial e piloto, mesmo que, de vez em quando, vendo um balão de ar quente ou uma asa delta, ou... Eu ainda sinta aquela chama da criança que olhou para astronautas e pensou em voar. E ainda tenho fé que um dia meus sentidos fiquem uns instantes a menos ao meu lado, e eu possa concretizar isso. Não é tão difícil hoje em dia como já o foi. Só falta exatamente um empurrãozinho, não sei. Mas honestamente, isso não vem muito ao caso.
Com novas responsabilidades, nova rotina, e com o novo cargo, mais dinheiro, mais possibilidades e, muitas coisas que eram somente planos passam a se concretizar. Um apartamento decente, para começo de conversa, é suficiente para que novas esperanças surjam para Marina e eu. E em breve a rotina nos engolfa de tal forma que, mesmo morando na mesma casa, só nos vemos durante a noitinha, quando ou ela voltou de um curso, ou eu, e confesso que não acho ruim. O curso de culinária que ela anda fazendo vem sendo uma mão na roda para muitas ocasiões, e, nos poupado algum dinheiro que gastaríamos (e ainda gastamos) em restaurantes. Os meus, realmente, são menos úteis ao longo prazo, apesar da ênfase em economia e planejamento servir bastante me ajudar a para ajustar o orçamento, e rever nossas prioridades.
Em um ano estamos tão acostumados com a nova rotina, que me pego surpreso certa feita quando acabei por faltar sem querer de um de meus compromissos, encontrando com Marina também em casa.
_ Não tem nenhum compromisso hoje? – ela me pergunta docemente, com um olhar que derreteria as calotas de gelo, e um sorriso do qual nenhum homem é realmente merecedor.
Realmente confuso com a situação, quase que perdido no tempo, tentei me situar e entender onde eu deveria estar, mas, vi que evidentemente não valeria a pena. O que eu preciso, o que realmente preciso é me recompor, e, olhando para Marina, vejo que não tenho melhor lugar para fazê-lo.
_ Acho que prefiro passar um tempinho com você, se não se importar... O que quer que eu tivesse que fazer, já está tarde mesmo... – fui me aproximando até beijá-la de mansinho, e segurá-la em meus braços. Fazia tempo que não nos dávamos um tempo – Acho que existem coisas mais importantes e interessantes para fazermos, de qualquer forma.
E realmente, uma noite inesquecível. Uma noite que por várias e várias vezes depois tentamos repetir, e nos esforçamos para conseguir ajustar nossas agendas para que fosse possível. Não foi.
Quer dizer, em nossas agendas sempre houve tempo em sábados e domingos para nós, mas ainda era pouco, e rotineiro. Aquele esquecimento involuntário foi algo espontâneo e fez tão bem para nós. O que me mostrou que, acima de tudo o que precisávamos era de um pouco mais de tempo um com o outro.
Até ela me anunciar que estava grávida, quer dizer, porque aí foi um grande ‘dane-se’ pros cursos, e com exceção do futebol das quartas-feiras – que é bom pro condicionamento físico e pra saúde – porque o que importava era estar ali. Tudo o que eu precisava e queria estava ali. E, é verdade, e até um tanto difícil de admitir, um tanto que uma tentativa minha de me adaptar à situação que eu passaria a vivenciar, afinal, com a criança novinha em casa, tanto eu quanto Marina precisaríamos estar mais tempo à disposição um do outro, e, para não enlouquecermos, precisaríamos nos apoiar bastante nos cuidados da pequenina.
Sei que é até um tanto tolo de minha parte achar que, deixar de fazer cursos e passar mais tempo em casa fosse algo como uma preparação para a paternidade, como que se eu estivesse adquirindo maior responsabilidade por ficar mais tempo em casa como um ‘marido responsável e exemplar que cuida de sua família depois de passar o dia todo trabalhando para prover o sustento da mesma’ e toda coisa cultural e que continuava a impregnar a todos nós sobre a estrutura familiar, e como uma família deveria e era correto que fosse para funcionar. Tudo bem... Era tolo, mas ninguém realmente estava perdendo com nossas longas noites de conversas tolas sobre assuntos frívolos, sobre os possíveis nomes para o bebê, sobre o que faríamos e como faríamos com casa, despesas e tudo mais, e somente para que pudéssemos nos ver um pouco mais, olhos nos olhos e conversas francas sobre nós mesmos e nosso futuro. Todos aqueles planos e projetos lindos de um futuro perfeito, com uma casa em vista e não mais um apartamento, para que pudéssemos ter um quarto extra (caso este não fosse o único rebento que nos fosse proporcionado), para poder criar uma pequena mascote que, desde que passamos a morar juntos, foi algo que quisemos, e, bem, toda a idéia de ter algo realmente nosso, onde poderíamos derrubar as paredes se assim acharmos melhor, e pintar os quartos com as cores que melhor nos apetecessem. Nossa condição financeira permitia que estes e alguns outros sonhos pudessem vir a ser em um futuro não muito distante. Utilizando nossas reservas, com algumas horas extras e, bem, com pouco tempo de financiamento, em no máximo um ano estaríamos num imóvel todo nosso. Era uma boa estimativa, e nada exagerada. Algo possível, com toda a certeza, com todos os sacrifícios previstos, mesmo as despesas com o bebê, com fraldas e tudo mais.
Claro que tudo isso era baseado na perspectiva de que as coisas continuassem como estavam. E a verdade é que elas nunca continuam.
***
Virgílio teve uma crise devido ao abuso de uma droga ilícita, ao que tudo indica um remédio para aumentar a concentração ou memória ou algo do tipo – que nem sob prescrição médica estava sendo vendido devido a alguns perigos acarretados, de irritabilidade, distúrbios mentais e derrames além de dependência química – e estava internado, precisando de algum parente para retirá-lo de lá. Ele me indicou, e por sorte, o funcionário do hospital é cliente do banco de longa data, e alguém de quem quebrei uma porção de galhos com os anos, e não é que somos grandes amigos, mas podemos contar um com o outro. Ele evitou alguns dos protocolos padrões de chamar a polícia e todos os processos que deveriam ser seguidos. Comunicou que registrou qualquer mau estar, fadiga somente para a internação.
Nunca fiz o trajeto ao hospital tão rápido em toda minha vida, e acho que mesmo que o quisesse, não conseguiria. Assim que cheguei, tive de assinar alguns documentos, e conversar com meu amigo, esclarecendo os pormenores para evitar transtornos tanto para Virgílio quanto para ele, e qual a melhor forma de abordar esse problema.
De qualquer forma, por garantia pedi uns minutos para conversar com meu amigo sobre isso, ainda esperando que fosse um mal entendido, mas plenamente ciente que não seria.
_ Quanto tempo?
_ Não mais que dois meses. Com certeza menos... O tempo está meio estranho de se definir com tanta correria e...
_ Eu nem sei por onde começar... Você tem idéia da merda que é isso? Quase morreu, e por sorte do médico de plantão ser amigo nosso você fica livre de uma acusação criminal séria! E pra que?
Ficamos em silêncio por um tempo, e, quando voltamos a conversar, acertamos que ele iria a uma clínica de reabilitação, tratar dessa situação antes que fosse irreversível... Antes que o vício se infiltrasse demais. Tirei um dia de folga no dia seguinte para me assegurar pessoalmente disso.
Ele acertou alguns detalhes com o orientador, e, garantiu sem dificuldade que suas aulas fossem substituídas nos próximos meses, que estaria cumprindo de sua ‘licença-mestrado’ ou algo similar, a desculpa que utilizou para que não soubessem o que realmente acontecera para causar seu afastamento. Enquanto ele fazia isso, eu procurei uma clínica indicada pelo amigo médico da noite anterior, e, acertei tudo que podia para adiantar, e, em uma questão de horas lá estávamos. Garanti que ele fosse alojado e que tudo estivesse em seu devido lugar, e me despedi.
Sai dali sem olhar para trás.
Esperava não precisar voltar.
***
Pela segunda vez em semanas, fui chamado às pressas para um hospital.
Marina estava experimentando algumas complicações na gravidez, precisaria de um acompanhamento efetivo, vinte e quatro horas por dia, pelo menos pelos próximos três ou quatro dias, devido ao fato dela quase ter abortado espontaneamente a criança, algo que, os médicos disseram ser mais comum nos três primeiros meses, e, que nesse estágio já avançado do quinto mês, deveria causar mais consternação.
Eu não sei o que acontece sobre hospitais, mas eu simplesmente não gosto deles, e não gosto mesmo. Entre um hospital e um cemitério, eu prefiro o segundo, em nove a cada dez opções. Não sei... Simplesmente me sinto mal nesses ambientes. O ar... Não só o ar, ou o cheiro, mas toda a atmosfera do lugar. Há algo que, sempre que passo pela porta principal, que é inevitável perceber. E é horrível. Ao menos pra mim.
Nessas condições, poucas coisas poderiam ser mais torturantes que freqüentar um ambiente destes todos os dias da semana, para verificar Marina, acompanhar sua recuperação e ficar ao seu lado enquanto dorme. E eu simplesmente não consigo... Os dias são pesados, passam devagar. Improdutivos, enquanto eu fico tentando me concentrar em meu serviço... Não dá. É horrível... Pela primeira vez nos últimos quatro dias, fui para casa, descansar um pouco à noite para que meu dia pudesse render um pouco... Mas é ainda pior.
No quarto, em suas roupas... Nas suas coisas... Seu cheiro... E tudo... Tudo me lembra ainda mais dela, e mais do que isso, do quanto preciso... Sinto sua falta.

Merda.
Acabo sentado no sofá da sala, conseguindo cochilar minimamente ao som da televisão, que me distrai de minha realidade, com um programa antigo sobre coisas absurdas acontecendo de situações comuns, inteiramente em branco e preto, e com um trilha sonora bastante chamativa e conhecida, e isso segue aos meus sonhos, com minha vida sendo analisada pelas câmeras deste programa e a porta no vácuo do espaço se abrindo para mim. Acordo todo quebrado. Noite ruim...
Mais uma...
E um dia ainda pior. Só consigo fazer alguma coisa depois da quinta xícara de café, e nem é uma daquelas xícaras pequenas... Acho que este é um bom momento para pedir férias ou um afastamento. Não vou conseguir continuar assim por muito tempo...
Não vou durar muito desse jeito. Este é um momento horrível.
Confrontar uma dura realidade e o fim (apesar de eu já ter ouvido que, alguns destes só estão em um sofrendo um pequeno desvio) de planos, projetos e sonhos ao mesmo tempo não é algo fácil mesmo para pessoas bem estruturadas e fortes. Eu nunca fui um grande exemplo em nenhuma das duas alternativas.
Preciso de ajuda...
Neste exato momento, isso é tudo o que preciso... Ajuda... E eu não faço a mínima idéia de como ou onde começar a procurar.
...
Merda...
Porque as coisas precisam ser assim?

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