Essa era a noite do último dia de vida de Gordon
Way, e ele se perguntava se a chuva cessaria ao menos para o fim de semana. A
previsão do tempo dizia sujeito a alterações – uma noite de névoa hoje seguida
por dias claros porém frios na Sexta e Sábado com talvez algumas ocasionais
chuvas no final do Domingo enquanto as pessoas estão voltando para casa.
As pessoas, quer dizer, exceto Gordon Way.
A previsão do tempo não havia mencionado isso,
claro, afinal não era o trabalho da previsão do tempo, mas o seu horóscopo fora
bastante tendencioso também. Mencionava uma quantidade fora do comum de
atividade planetária em seu signo e o forçara a diferenciar entre o que ele
achava que queria e o que de fato precisava, e que precisava enfrentar
problemas emocionais ou de trabalho com determinação e total honestidade, ainda
assim falhara miseravelmente em mencionar que ele estaria morto antes do final
do dia.
Desligara o motor próximo de Cambridge e parou em
um pequeno posto de gasolina para abastecer, onde ficou sentado por um momento
finalizando uma ligação de seu telefone².
“Ok, veja, te ligo amanhã” ele dizia “Ou talvez
mais tarde ainda hoje. Ou você me liga. Devo estar no chalé em meia hora. Sim,
eu sei quão importante o projeto é pra você. Tudo bem, eu sei quanto ele é
importante, ponto final. Você quer, eu quero. Claro que quero. Não estou
dizendo que cessaremos o apoio financeiro dele. Só estou dizendo que ele é caro
e que deveríamos olhar a coisa toda com determinação e total honestidade. Veja,
porque você não aparece no chalé, e podemos falar sobre isso. Ok, claro, sim.
Eu sei. Entendo. Tudo bem, pense nisso, Kate. Falo com você mais tarde. Tchau”.
Desligou e continuou sentado no carro por um
momento.
Era um carro enorme. Uma Mercedes enorme
cinza-prateada do tipo que é usada em comerciais, e não apenas nos comerciais
da Mercedes. Gordon Way, irmão de Susan, chefe de Richard MacDuff, era um homem
rico, e fundador da WayForward Technologies II. WayForward Technologies
obviamente havia falido, pelos motivos usuais, levando a primeira fortuna que
adquiria no processo.
Por sorte, ele conseguira acumular outra.
Os “motivos usuais”, no caso, era que ele estava no
mercado de equipamentos para computador enquanto todos garotos de doze anos do
país repentinamente ficaram entediados com caixas que fazem “Bing”. Sua segunda
fortuna, ao contrário da primeira, era com programas de computador. Como
resultado de dois grandes softwares, um dos quais é chamado Anthem (o outro,
muito mais rentável que nunca sequer fora lançado), WFT-II era a única empresa
britânica de software a ser mencionada numa mesma frase que fale de grandes
empresas norte-americanas como a Microsoft ou a IBM³. Uma frase que seguiria
mais ou menos assim “WayForward Technologies, ao contrário de grandes empresas
americanas como a Microsoft ou a IBM...”, mas já era um começo. A WFT estava
ali, e ele era o dono dela.
Ele colocou uma fita no som do carro, que aceitou
com um suave click e um momento ou dois após Bolero de Ravel soava de oito
perfeitamente equivalente caixas de som com mate preto bem mexido. O som era
tão suave e espaçoso que parecia com um rinque de patinação. Ele batia os dedos
no painel. Figuras de bom grado iluminadas e minúsculas luzes imaculadas
passavam por seus olhos. Depois de um tempo ele percebeu repentinamente que
este era um daqueles postos de gasolina self-service e saiu do carro para
abastecer.
Isso levou um minuto ou dois.
Notas:
2 Nos anos
80 eram comuns os ‘car phones’ como sinal de poder e ostentação, nem tanto pela
praticidade...
3 No original é mencionado a Lotus (empresa que fez
considerado sucesso, até ser comprada pela IBM).
4 Apesar de incomum no Brasil, esses postos são
bastante comuns fora daqui, onde normalmente o consumidor paga antes de
abastecer no caixa, que libera o funcionamento da bomba.
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