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25 de junho de 2014

A uma moeda

Fria e tormentosa a noite em que zarpei de Montevidéu,
Ao passar pelo Cerro,
da mais alta coberta joguei
uma moeda que brilhou e submergiu na água barrenta,
uma coisa de luz que o tempo e a treva arrebataram.
Tive a sensação de haver cometido um ato irrevogável,
de acrescentar à história do planeta
duas séries incessantes, paralelas, talvez infinitas:
meu destino, feito de soçobro, de amor e vãs vicissitudes,
e o daquele disco de metal
que as águas dariam ao mole abismo
ou aos remotos mares que ainda roem
despojos do saxão e do fenício.
A cada instante de meu sonho ou minha vigília
corresponde outro da cega moeda.
Às vezes senti remorso
e outras inveja,
de ti que estás, como nós, no tempo e seu labirinto,
e que não sabes disso.


(Parte da coleção Borges da Companhia das Letras, livro "O outro, o mesmo" - livro de poesias do grande mestre argentino, que apesar de tantos belos textos, é esse o que mais me chamou a atenção, e por algum motivo de tempos em tempos volta para me atormentar).

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