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30 de março de 2013

Grandes Clássicos dos Quadrinhos: Lobo Solitário

A jornada de Itto (e Daigoro) Ogami pelo Japão do período Edo (entre 1603 e 1868) em busca de justiça (vingança) é um dos poucos exemplos de quadrinhos que ao meu ver transcendem o próprio gênero e qualquer limite - e até limitação - de liguagem.
É muito fácil ler uma história de Titntin, Asterix ou Batman e entender as estruturas usadas para a contextualização destes personagens, uma vez que isso faz parte de nosso mundo ocidental, de nossas estruturas e visões de mundo - mesmo que seja um mundo de outro tempo, e até outro continente, ainda faz parte de nossa estrutura de composição de texto e palavras - a partir do nosso alfabeto romano.
Lobo Solitário já tem como primeira mudança de paradigma a leitura - que é 'ao contrário' do que a nós é convencional, só de folhear uma revista você já percebe que ela 'começa' do final do encadernado, e a orientação da história é da direita para a esquerda. Mesmo que a indústria de quadrinhos já existisse e estivesse solidificada (tanto nos EUA quanto no Japão), foi uma das primeiras séries a fazer o intercâmbio e ser publicada na terra do Tio Sam - com o espetáculo a parte das capas belíssimas de Frank Miller para a versão gringa.


Lançado originalmente em 28 volumes, cada um com pouco mais de 300 páginas - o que dá mais de 8400 páginas! - a série traz um Japão ilustrado com a belíssima composição de brancos, pretos e cinza de Goseki Kojima com panorâmicas arrebatadoras, close-ups que desenvolvem a expressão e tensão interna dos personagens, e cenas que parecem saltar das telas (é possível ver o pôr-do-sol com todos os tons de laranja, amarelo e vermelhos, mesmo na pintura e branco e preto).

Mas a magistral arte é apenas um dos pontos para esta obra, que afinal conta também com o soberbo roteiro de Kazuo Koike que vai aos poucos nos apresentando as peças do quebra-cabeças (o que causou a sede por vingança de Itto, quem são de fato seus inimigos e alvos - e quais seus planos), enquanto trabalha com leves pinceladas de maneira contida e ritmada a relação de pai e filho, desenvolvendo os estranhos costumes que eles precisam adquirir para sobreviver.

Mais que isso, o roteiro se aproveita das limitações técnicas (do preto e branco) para expor um mundo que não é bem assim... Que se assusta e surpreende com a honra de um assassino que aluga sua espada a quem pague (e inclusive seu filho, como diz a faixa apregoada ao berço do pequeno Daigoro - "Espada de aluguel, filho de aluguel" - mas existe um contexto histórico aqui, transposto na história já no primeiro volume da série).

Há grande ênfase ao código samurai - o Bushido - e, principalmente o ato final, que enfoca em três personagens com índoles diferentes e, um deles, que se vê além da honra para a concretização de suas missões... E vê seu amadurecimento como personagem, até se deparar com seu destino.

Apesar das diversas tentativas de publicar a obra no Brasil, foi só na última década que ela saiu por aqui na íntegra, e, com boa qualidade e tradução... Mas confesso que se um dia sair em capa dura, até devo voltar a acompanhar a trajetória de Itto Ogami novamente (até para durar mais tempo, a capa mole com o papel jornal da publicação - típicas do quadrinho japonês, ou mangá - não são exatamente o melhor material em termos de conservação).
Não sou sumidade no assunto, particularmente não consigo gostar de quadrinhos orientais (até li Akira, ao que achei o desenvolvimento sofrível da metade para o final, e tentei ler algumas das outras séries mais famosas como Dragon Ball), mas Lobo Solitário é um caso isento de qualquer outra prerrogativa.
É uma longa jornada pela vida, com todo tipo de atribulação, mas que a convicção de Itto o mantém firme em sua busca, e seu intento. É algo bastante palpável e de fácil empatia com qualquer leitor do mundo (afinal, viver em meio a atribulações não é exclusividade japonesa ou brasileira).

E é justamente por isso que é uma obra prima.

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