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18 de maio de 2025

{Explicando o fim} Peep Show e sua antítese em Friends

Friends foi a maior sensação dos anos 1990 e, ainda hoje, continua a ser uma das séries mais assistidas de todos os tempos, e, os motivos são muitos mas que se resumem ao fato que a série consegue abordar uma série de dilemas bastante universais (do múltiplos desafios do início da vida adulta - lidando com pouco dinheiro, dificuldades amorosas e todo um turbilhão constante que surge em nosso caminho).

Não apenas isso - na verdade esse é o gancho para o público geral - mas com uma perspectiva que foge do senso comum de sitcoms tradicionais da época (em que todo o propósito narrativo existe por 22 minutos até os créditos e nenhum senso de continuidade será respeitado para o próximo episódio, retornando ao status quo), ainda que, bem, uma sitcom tradicional da época para uma grande corporação multibilionária preocupada com indíces de audiência e os retornos com publicidade... Existe uma fina linha em que o material poderia ser "subversivo" e galgar além do esperado para séries desse tipo, e, é justamente nesse minúsculo espaço que a série opera e, honestamente, prospera consideravelmente.

Com o foco em um grupo maior de protagonistas, o seriado consegue abranger um número bem maior de personalidades, tornando a identificação mais fácil para o público maior, ainda que a trama principal corra sempre ao redor mais de alguns personagens (Ross e Rachel são as forças motrizes desde o início da série quando seus casamentos colapsam, e, começam a lidar com os sentimentos que um nutre pelo outro).

E, enquanto o final da série é um ponto simples em que o grupo se separa cada qual seguindo seus caminhos na vida (alguns recém-casados e com filhos, outros seguindo novos desafios nas carreiras enquanto alguns continuam tão perdidos quanto a série começou - e partem para séries derivadas do outro lado do país), devemos lembrar que não ocorre de forma orgânica e natural conforme essas histórias caminhavam para isso.

Phoebe serve de barriga de aluguel para o meio-irmão durante a quarta temporada, e, bem, durante os anos seguintes após o nascimento das crianças o fato praticamente é ignorado como um sonho febril - quando obviamente faria sentido para a personagem construída até aquele ponto que desejava mais que qualquer coisa estabelecer contato com uma família que perdeu/nunca teve (ao ponto de aceitar servir de barriga de aluguel para o meio-irmão). E o motivo pelo qual não vemos a personagem servindo de babá ou visitando frequentemente o meio-irmão e seus sobrinhos nos anos seguintes, que a afastaria do grupo (e dos múltiplos desafios do início da vida adulta), que é algo coerente e lógico para a personagem ocorre muito mais por questões de bastidores que pela lógica interna da série e de sua narrativa.

O meio-irmão de Phoebe é vivido por Giovanni Ribisi, que além de ser escalado para muitos projetos, estava migrando para Hollywood e trabalhando em diversos projetos grandes (como um filme de Kevin Costner ou o clássico cult As Virgens Suicidas - além de filmes com Nicholas Cage e, anos mais tarde, um filmezinho com personagens azuis num planeta distante que talvez você tenha ouvido falar), enquanto a esposa dele na série, Debra Jo Rupp embarcava para um de seus papéis mais memoráveis em That 70's show (quase no mesmo ano da quarta temporada de Friends).

Com isso a série finge que está tudo certo e mantém Phoebe nas maluquices habituais com a irmã gêmea, com relacionamentos ou passando a dividir o apartamento com Rachel (até rumar para um relacionamento mais consistente com o personagem - sem muita personalidade - vivido por Paul Rudd), e, isso ocorre de mesma maneira em proporções diferentes com os outros dos personagens.

Acontece que, com o casal principal (e talvez o maior gancho dos primeiros anos) da série, o maior problema, é que Ross precisa crescer (porra!).

Ao começo da série ele é um homem divorciado cuja esposa o traiu (com outra mulher, em 1994, vale destacar) e ao final da primeira temporada ele é pai pela primeira vez, partindo para a China para investir em sua carreira. Nas nove temporadas seguintes ele é um homem divorciado e com um filho (e que precisa crescer - porra!), com a situação apenas escalonando conforme ele se torna um homem que tem mais uma criança e mais dois divórcios (e continua precisando crescer - porra!).

Boa parte do dilema do personagem é que ele sofreu com uma traição e se vê bastante abalado com isso, tendo problemas em seus relacionamentos posteriores e lidando muito porcamente com sua paranóia e ... E nada disso é incoerente ou horrível, só indica que ele precisa aprender a lidar melhor com essas situações e crescer (porra!).

Do lado oposto de seu relacionamento, Rachel, é uma mulher que passa por um considerável crescimento conforme ela corta laços com seu passado de patricinha mimada. No entanto ela continua com uma irritante tendência constante de querer apenas o que ela não pode ter, e perder completamente o interesse assim que consegue.

Droga, após seus segundo divórcio ele, já professor em uma universidade, se envolve com uma aluna (e isso se torna ainda pior quando Rachel passa a se envolver com o pai dessa aluna), que reforça exatamente estes dois pontos (que Ross precisa crescer - porra! - e que Rachel quer o que não pode ter).

Ross e Rachel tem um relacionamento turbulento - e honestamente são completamente incompatíveis um com o outro, por mais que a série (e o público) insista e tente justificar que são um casal perfeito - e terminam após uma série de bobagens que começam com 'um tempo' (coisa de colegial) leva a uma traição (de novo, coisa de colegial que terminou e já sai procurando outra parceira e não de um adulto divorciado com um filho) e que seguem pelas demais temporadas como um argumento vazio para o casal não voltar. Eles não discutem seus sentimentos, não resolvem sua situação e mais importante, não amadurecem como pessoas após essa situação e continuam trombando com o mesmo problema de novo e de novo e a mesma discussão de novo e de novo.

Esse ciclo não chega a uma conclusão coerente ou satisfatória por anos (Rachel e Ross tem uma filha juntos, e enquanto tentam criá-la na mesma casa suas diferenças irreconciliáveis vem à tona rapidamente) até que nos capítulos finais eles voltam finalmente (sem nenhum dos aspectos do parágrafo anterior - amadurecimento, discussão honesta sobre seus sentimentos ou a resolução do cerne da questão que levou ao rompimento anos antes - que é a falta de confiança do lado de Rachel e o ciúmes doentio do lado de Ross). Tudo está resolvido, eles estão felizes e cada qual segue com suas vidas, um final perfeitamente meloso que cerra em 22 minutos uma longa série de uma década em que um paleontólogo aceita que a evolução é apenas uma teoria para agradar a 'murica rural.

Mas nada disso é genuíno... É apenas um enrome laço para forçar uma conclusão em algum ponto arbitrário e estabelecer que de agora em diante tudo será diferente (porque os contratos estavam caros demais e os atores não tinham mais qualquer interesse em continuar fazendo isso por mais duas, três ou vinte e cinco temporadas), mas, deixando claro que haveria espaço para uma continuação, spin-off ou o que mais eles pudessem conseguir encaixar, mas, com o fracasso abjeto de Joey, bem, ficou claro que era a melhor condição concluir dessa forma e seguir em frente - por mais artificial, forçado e arbitrário que acabe aparecendo no final das contas. Quer dizer, talvez você não veja Friends há um bom tempo, mas você se lembra de algum episódio em que Ben (o primeiro filho de Ross) é apresentado à sua irmãzinha Emma? Ou qual a explicação minimamente lógica para como Phoebe banca um apartamento em Nova Iorque com seu dinheiro como massagista...?

Esse é, talvez, o maior aspecto de como Friends existe como uma anomalia estranha aparte da realidade que ele tenha imitar. Quanto mais você presta atenção, mais ridículas parecem as tramas (como Jenifer Anniston tendo dificuldades para encontrar um encontro ou Joey conseguindo um bom salário como ator), mas ainda assim existe um aspecto a série usa constantemente para manipular suas emoções e te fazer se sentir bem. Friends é um ventríloquo que manipula brilhantemente nossas cordinhas sentimentais em busca do maior apelo.

Tudo isso é resultado de uma estrutura em que os personagens estão presos no formato (de um universo que não criaram): Cenários repetitivos, mesmas piadas e situações semana sim e semana também e tudo em função da audiência (e contratos que exigem 25 episódios - quando 10 ou menos seriam suficientes) e não da trama.

Claro que é um formato que pode ser explorado e obter resultados diferentes (com vários graus de sucesso), mas mantém a necessidade de criar algo que não é genuíno e não explora minimamente os aspectos mais profundos da personalidade e características dos personagens.

Entra Peep Show.

De 2003 a 2015 a série britânica explorou a dinâmica de dois homens dividindo um apartamento com personalidades completamente diferentes: um sujeito descolado que vive para relacionamentos casuais e um neurótico obsessivo, com uma série de traumas formativos, que vive pelo seu trabalho (que não é muito diferente do que vemos na dinâmica com Joey e Chandler em Friends).

No entanto, Mark e Jeremy (vividos pelos excelentes David Mitchell e Robert Webb) funcionam de uma maneira diferente, e não apenas pelo fato que as tramas os colocam em cenários nos quais eles constantemente perdem - já no primeiro episódio Mark é perturbado por um grupo de adolescentes até surtar - mas principalmente pela forma como o roteiro intercala na perspectiva individual de cada um deles e a narração nos oferece uma perspectiva sobre seus pensamentos.

É extremamente comum perceber dessa forma a dúvida real dos personagens assim como o desprezo e toda uma série de emoções bastante humanas que acabam escapando de uma sitcom tradicional para agradar um público mais abrangente (e para construir algum conflito artificial de fácil resolução).

Mark e Jeremy dividem o apartamento por necessidade e se mantém juntos após tantos anos com um desprezo mútuo que é lógico diante de todas as situações de sitcom em que ambos experimentam e colocam um ao outro, no entanto existe uma amizade genuína entre esses dois na parceria em apoio da bizarrice um do outro.

Por mais que Mark considere os planos de carreira de Jeremy insanos (seja como músico ou como coach), ele constantemente o apoia e ajuda, e o mesmo vale na situação inversa. Jeremy está sempre ajudando as fixações malucas de Mark por alguma garota que nessa semana ele acredita ser "a escolhida".

Vale destacar que Peep Show segue Mark e Jeremy em jornadas que, muitas vezes se assemelham ao que vemos em Friends (além das dificuldades de relacionamentos e profissionais de jovens adultos, temos algums batidas recorrrentes como a contínua tentativa de relacionamento entre Mark com Sophie - que tem muitos paralelos com Ross e Rachel, inclusive com um filho após a tentativa fracassada do relacionamento), mas com conclusões completamente diferentes, e, muitas vezes até opostas.

Sophie tem de lidar com um problema sério de alcoolismo após o fim traumático da relação com Mark, mas, acaba prosperando e se resolvendo como pessoa, e, bem, não apenas ela como várias pessoas que saem do eixo caótico de Mark e Jeremy ao longo dos anos (e finalmente conseguem prosperar), enquanto a dupla se afunda cada vez mais e mais até a inevitável conclusão de que eles estão presos um ao outro sem qualquer perspectiva de quebrar o ciclo (depois de tanto tempo).

E isso muda muito a perspectiva de como a série funciona todos esses anos mais tarde enquanto, bem, Friends envelhece cada vez pior (e olha que eu nem mencionei qualquer questão sobre a homofobia latente na série até agora, e vou deixar por isso para não alongar demais).

Com isso, temos dois finais diametralmente opostos nas duas séries.

Em Friends todos seguem em frente com suas vidas (em um ponto arbitrário perfeitamente aceitável) e entregam a chave do apartamento de Mônica (onde passavam a maior parte do tempo) enquanto uma versão melosa da música tema da série toca e tudo se resolve, finalmente a estrutura de sitcom se volta contra o seu propósito e o ciclo constante de retorno ao status quo se rompe.

Com Peep Show, Mark é demitido de seu trabalho e tenta desesperadamente se reconciliar com uma antiga namorada (que estava com problemas com relacionamento com o marido), e, quando tudo parece que dará certo nesse relacionamento partindo para o pôr do sol num cruzeiro, Jeremy (com a ajuda de Super Hans) complica as coisas, e acaba estragando tudo para Mark que se vê de volta ao partamento com seu permanente companheiro de quarto sem qualquer perspectiva de mudança, preso para sempre num ciclo vicioso.

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