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25 de dezembro de 2023

{Deixa eu explicar...} Mas afinal de contas... Porque os quadrinhos vendem mal?

Eu não digo que essa é a parte final, mas pelo menos por enquanto eu não pretendo revisitar o tópico tão cedo (de novo), então digamos que é a parte final.

A resposta simples é que o público perdeu o interesse, principalmente nas últimas duas décadas quando as principais editoras tentaram várias ferramentas para trazer novos fãs, mas, efetivamente não consolidaram esse público.

Quer dizer, as vendas dos quadrinhos vão mal há décadas, num processo de contínuo declínio que começa na década de 1940/1950 quando a mídia deixa de ser ferramenta armamentista para os EUA e passa a ser o bode expiatório. Nos anos 1960 a DC já estava desesperada, terminando a década como mais uma peça do conglomerado Warner (e em décadas futuras de outro[s] conglomerado[s]), passando pelos anos 1970 tentando reestruturar totalmente sua linha editorial através de ferramentas de marketing e o recrutamento de talento (como Jack Kirby, um dos grandes - e talvez o maior nome - do sucesso da concorrente). E enquanto a Marvel seguia bem após a injeção de energia da reestruturação dos anos 1960 com Lee e Kirby, os anos 1970 não foram tão generosos assim, e foram necessárias mudanças e adaptações para o mercado envolvendo produtos licenciados como Star Wars e G.I. Joe até os anos 1990 quando a editora decretou falência. Mas existe um ponto importante nesse intervalo.

Em 1991 Jim Lee relança a série X-men com um gigantesco volume de vendas (segundo o Guiness Book, 8 milhões de cópias). Impressionante, certo? Bem, considerando que a edição era vendida à US$1,50 e vendeu no total algo na faixa de 8 milhões com todas suas capas variantes e etcs, esses números são de fato algo digno de comemoração?

Quer dizer, primeiro vamos considerar que a Lenda de Zelda de alguns anos antes (em 1986) vendeu aproximadamente 6.51 milhões de cópias (com um preço entre US$24,99 a US$49,99 - com a exigência de um videogame de aproximadamente US$99,99), e, as vendas não reduziram. Pelo contrário. As duas últimas adições à franquia venderam 31 milhões (em 2017) e 19 milhões (no jogo lançado em 2023, e com números que ainda podem aumentar no próximo ano).

E isso nem chega perto dos números de GTA (com 185 milhões de cópias - que, aproveitando o parênteses, está também longe do tipo de material que agrada meu ímpeto gamer, mas mais de 185 milhões de cópias tendem a discordar comigo, não é mesmo?).

São números muito maiores que aqueles do quadrinho norte-americano segundo o Guiness Book, e materiais muito mais caros com custos maiores de produção (tanto em termos de equipe quanto tempo de produção), e, claro que esses são números extraordinários... Mas olhemos para jogos baseados em personagens de quadrinhos e vemos que os números são bastante expressivos também. Homem Aranha 2 lançado em 2023 teve 5 milhões de cópias em menos de duas semanas. Batman Arkham Asylum aproximadamente 9,5 milhões de cópias no total (já ultrapassando os números do quadrinho mais vendido de 1991).

No entanto, mesmo com a maior facilidade para acesso à quadrinhos hoje do que em qualquer outro momento da história (com kindle e outras ferramentas disponibilizando o material instantaneamente após sua publicação e com praticidade de leitura em qualquer lugar) em 2023 continuamos com o recorde de X-men de 1991 nem de perto arranhado - com algumas edições meramente passando da barreira de 1 milhão de cópias. E esse é o ponto.

As empresas que produzem quadrinhos não sabem mais como vender esse material para o grande público (ou para um grande público). 1 milhão de cópias não precisaria vender uma edição para menos de 0,5% da população dos EUA (com aproximadamente 339 milhões - e isso dá só 4% da população global).

Até já falei sobre isso em outros momentos, mas a verdade é que enquanto os quadrinhos japoneses operam com nichos - com seus maiores sucessos focando em garotos pré e adolescentes (como Dragon Ball, One Piece e Naruto) ou garotas pré e adolescentes (com Sailor Moon, Sakura e curiosamente um bocado de coisas que funcionam para os dois públicos como Demon Slayer - que, chegou a 82 milhões de vendas em 2020). Os super heróis da Marvel ou DC (que são essencialmente o único tipo de produto que essas editoras produzem)? Bem, eu não sei se funcionam para adolescentes hoje em dia com os trajes espalhafatosos e conceitos que já não funcionavam muito bem quarenta anos atrás (não só das cuecas para fora da calça mas de 'identidades secretas' mesmo e as perpétuas guerras ao crime em que o vilão da semana tem algum plano mirabolante para jogar um tanque de gás/veneno/químico-genérico-da-semana no depósito de água da cidade), e para crianças, eu honestamente duvido que o material considere o público infantil com a violência (seja do Justiceiro sendo desmembrado como o Cavaleiro Negro em um sketch do Monty Python ou mesmo personagens bem menos conhecidos pela violência como o Superman em um confronto até uma morte sangrenta contra o vilão Apocalipse - passando por toda uma gama de cenários com o Robin assassinado por um pé de cabra e a lista segue) e ocasionais aparições de mulheres em trajes de banho ou lingeries (e os ocasionais palavrões)... Com isso não ocorre renovação do público, pois os mais jovens não leram vinte ou trinta anos atrás, não apresentaram (ou apresentarão) para seus filhos e o público fica estagnado ao público que teimosamente continua a ler (ou pelo menos comprar) indiferente do que se está publicando.

E aqui entramos na segunda pior questão.

Com o preço de US$1,50 em 1991 (e hoje algo como US$2,99 - ainda que capas holográficas talvez fossem mais caras na época), quanto você imagina que seja o lucro obtido pelas editoras?

Pense o seguinte, se o lucro fosse de US$1,00 (e eu não acho que seja tudo isso, ainda que, obviamente o fator tiragem influencie bastante essas margens considerando os custos de produção, distribuição e, claro, salários da equipe criativa - eu honestamenete duvidaria que chegasse em US$0,50/edição) por edição em 1991, a Marvel teria lucrado US$8 milhões com as vendas de X-men, o que parece alto, inclusive se fatoramos a inflação, certo? Bem, pensse assim: Keanu Reeves recebeu US$30 milhões para participar do jogo Cyberpunk 2077 (que foi um fiasco/fracasso). E eu sei, Jodie Foster e Anthony Hopkins receberam pouco mais de 1 milhão por O Silêncio dos Inocentes que é mais ou menos do mesmo ano que a edição mais vendida da Marvel... Mas Arnold Schwarzenegger já faturava US$11 milhões nesse mesmo período (por O Vingador do Futuro).

Além disso, não existe nada específico nos contratos dos criadores algum tipo de incentivo (financeiro ou de outra forma) para produzir material que ultrapassaria qualquer meta de venda. Se a edição X vender 500 mil ou 1 milhão de cópias ou mal chegar ao top 200 da Diamond, a equipe criativa estará nas mesmas condições. O máximo que pode acontecer são demissões e mudanças nas equipes criativas com baixos números de vendas... Nisso, de novo, temos o caso do mercado japonês que oferece considerável participação das vendas de produtos licenciados aos criadores, o que resulta no incentivo maior para buscar um produto que ressone com o público, e, por tabela, que traga vendas de material licenciado.

Mais que isso, existe muito mais perspectiva mesmo para criadores ruins e sem grande talento fora dos quadrinhos. Judd Winnick (que era na melhor das hipóteses medíocre em seus trabalhos) com toda a certeza ganhou mais dinheiro com sua Juniper Lee que todos os quadrinhos de sua carreira, e ele não está sozinho. "Chuckles" Austen, possivelmente o pior escritor de toda a história dos comics americanos, saiu da indústria para ser editor e produtor executivo em seriados/animações como Steven Universo e She-ra. Então quem fica é porque realmente não tem perspectiva ou opção fora do mercado de quadrinhos, ou realmente gosta disso (tipo o Brian Azzarello, Jason Aaron ou Jeff Lemire) que vão topar basicamente qualquer porcaria que oferecerem para eles.

E lembre-se que, Marvel e DC (as duas maiores editoras do mercado norte-americano) não existem mais. Elas são pequenas peças de Lego de gigantes conglomerados que provavelmente olham para os números de vendas e não enxergam motivo para investir mais dinheiro nesses sumidouros. Droga, existem 60 anos de histórias do Homem Aranha com conteúdo para se adaptar para os cinemas ou jogos de videogames e faturar muito mais dinheiro... Porque gastar com orçamentos de criadores com potencial e talento para produzir boas histórias mensalmente?

[Editado em 06/01/2024] E vamos deixar bem claro que eu não acho necessariamente que tudo o que Marvel e DC vem produzindo ou produziram nas últimas décadas seja de fato ruim ou um lixo como muita gente quer vender, bem pelo contrário.

De cabeça posso citar os X-men a partir de Grant Morrison tiveram uma fase bem mais sólida e interessante (com altos e baixos, é verdade, mas com muita coisa boa como a fase do Joss Whedon, do Ed Brubaker e Mike Carey e principalmente a recente fase do Jonathan Hickaman), e que inclusive foram títulos muito mais interesssantes de se ler que no período de maiores vendas da franquia enquanto Jim Lee era o artista.

No entanto eu vejo claramente os pontos de parada que causam claramente o desinteresse de fãs. Ao final da fase Morrison (que já foi um ponto bastante fraco), foram publicadas duas histórias escritas por Chuck Austen para fechar a fase New X-men, e, elas são tão ruins quanto você pode imaginar, e, mesmo que Joss Whedon viesse logo em seguida, é bem provável que um número de pessoas preferiu abandonar o barco e, talvez, retomar mais tarde se as coisas voltassem a ficar interessantes (ou ler em encadernados).

E o mesmo ocorreu em quase tudo que se sucedeu, com pontos em que, bem, os fãs talvez não enxergassem mais motivo para se manter engajados, talvez dentro da própria fase, como durante Hickman sempre intercalada com diversos outros mega eventos sem graça/propósito/interesse (como a grande saga da Marvel Império ou os X de Espadas da própria fase dos X-men), e, só acompanhassem até o próximo ponto (no caso, a saída de Hickman). [fim da edição]

Ainda mais quando levamos em conta que a Disney que é a dona da Marvel já tinha abandonado - ou sequer se importava com - a publicação de quadrinhos de seus personagens, será que existe alguma surpresa porque tantos autores de pouco talento que se sujeitam às condições terríveis de gigantescos conglomerados para produzir quadrinhos descartáveis que mal servem para agradar fãs que continuam lendo material ruim mesmo sem gostar dele (sabe, como os fãs do Homem Aranha que insistem que as novas fases são as piores de todos os tempos - desde a última pior fase de todos os tempos) sem conseguir expandir para um público mais expansivo e interessado.

Talvez a esperança esteja nos independentes onde de fato equipes mais empenhadas vem produzindo materiais de maior qualidade, ainda que números longe de impressionantes, e não é de supreender que os quadrinhos japoneses tenham galgado tamanho espaço no mercado global (ainda que mesmo os projetos da terra do sol nascente venham decaindo com o passar dos anos).

Só que também não é só isso.

A indústria da música teve em 2023 um de seus piores anos. Para a música, por exemplo, foi o ano 'mais fácil' para se chegar ao topo da Billboard em termos de números e não para por aí. Os cinemas vem enfrentando enormes dificuldades assim como os serviços de streaming que eram a galinha dos ovos de ouro alguns anos atrás. A mídia talvez esteja diante de um colapso sério e complexo, com as discussões do papel da Inteligência Artificial na produção de material que foi um dos principais elementos da greve dos roteiristas de Hollywood, e tudo isso ainda é reflexo do cenário da pandemia (do qual ainda estamos nos recuperando financeiramente - e emocionalmente - em vários aspectos).

Ainda existem reflexos gigantescos da pandemia na sociedade, e, vários deles se vêem facilmente na ansiedade vislumbrada em qualquer um com quem interagimos, só que é palpável em como as interações se tornaram mais constrangedoras (ou desagradáveis) também. E isso pra dizer o mínimo, porque em muitos casos 'violento' é mais a palavra, e a mídia no geral não consegue refletir isso ou oferecer um espaço para que o público ou extravase/lide com suas frustrações ou que reflita esse sentimento de maneira abrangente e identificável. Droga, eu diria que a mídia em geral vem piorando tudo isso - forçando cada vez mais desconfiança e cenários desagradáveis, constrangedores e violentos.

Não é de se admirar que as histórias de filmes, seriados e, por tabela, quadrinhos tenham dificuldade de capturar a atenção do público.

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