Nota: 6,5/10 |
Peter Milligan é um bizarro caso de talento que nunca floresceu corretamente, afinal, ele tem um enorme e impressionante currículo (Hellblazer, X-Statix, Homem Animal, para citar alguns) passando por Marvel, DC, Image, 2000AD, e no entanto ele não é muito mais que a versão genérica de Grant Morrison.
Talvez o Grant Morrison cover (quando o Morrison original não está disponível), se preferir.
E Shade, o homem mutável é uma prova cabal do que estou falando. O começo é avassalador, o tipo de história que poderia render um filme ganhador de Oscar e todo outro tipo de prêmio que se possa imaginar (uma garota que vai visitar os pais para apresentar o namorado - negro - simplesmente para encontrar os pais brutalmente mortos por um assassino serial, e, numa brilhante reviravolta, a polícia assassinando o namorado da garota, por ser negro...), só que daí, bem, digamos que o tom da história muda tantas vezes que é difícil acompanhar. Temos Kathy e sua história trágica (que é bem cadenciada e contada no começo do primeiro capítulo) e de repente a história lida com um assassino às voltas de sua execução por cadeira elétrica (acho que não preciso dizer 'que assassino', não?), uma (ou seriam duas?) criatura mística, metafísica e poderosa que surge e uma agência governamental secreta e sombria que investiga tudo nas entrelinhas.
Shade é uma espécie de Doutor Who psicodélico (e com ainda menos orçamento), e, sua chegada à Terra é para combater o 'Grito Americano' e a 'Loucura' que acompanha tudo isso, e como não poderia deixar de ser, quando se fala de 'loucura e grito americano', obviamente estamos falando de descobrir quem assassinou Kennedy. A comparação com o Doutor Who também se aplica na função de que o personagem tem diferentes versões nos diferentes fascículos, mas isso é história para outro dia.
Por um lado é uma leitura interessante e há um conceito interessante, um personagem criativo e uma série com enorme potencial. Por outro temos um excesso na representação gutural de violência (sério, pra que mostrar o crânio fraturado por bala de JFK?) que muito pouco combina com o tom de um personagem cujos poderes vem da loucura (mais humor e leveza cairiam beeeeem melhor). Mais ou menos como Jeff Lemire vem fazendo com seu Cavaleiro da Lua lançado agora em 2016 pelo re-re-reboot da Marvel.
Nota: 8,0/10 |
Talvez porque Lemire é um escritor muito mais competente e completo, talvez porque o personagem do Cavaleiro da Lua já esteja muito mais contextualizado e fixado na cultura popular (ele tem até versão de Lego), e precise de menos explicações e contextualização, mas a verdade é que a versão de Lemire sobre um homem preso num sanatório e se digladiando sobre sua existência pregressa como real ou mero fruto de sua imaginação é muito bem conduzida e delineada.
Lemire consegue levantar as perguntas delicadamente, aos poucos e com cadência, com a alternância da história entre os fragmentos de memória de Marc Spector e suas (possíveis) alucinações, seus registros e anotações, o que acaba mais para algo que Terry Gilliam faria - e bem, eu sou um tremendo fã de Terry Gilliam.
Só me preocupa que a história esteja gradualmente se jogando contra uma sinuca, e, para sair seja necessário remover o elemento mais interessante (que é a dúvida). A partir do momento que se conclua que, ou Marc está louco ou são, a história perderá a graça.
Lemire tem crédito de sobra, e, não creio que o gás vá acabar tão cedo, porém.
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