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16 de outubro de 2013

Epílogo - O autor

É quase um ritual.
Ele encara o branco da folha hipotética diante de si, acende um cigarro, ajeita os parcos
fios de cabelo, e, uma vez mais mexe o gelo de seu copo, que fica sempre estático ao
lado de sua máquina e ali permanece (entre um gole e outro, entre uma mexida e outra
do gelo) até que ele conclua seu projeto.
Seja um parágrafo, uma folha inteira, um capítulo... Geralmente, ao menos uma idéia
completa passada para o papel, seja isso o que realmente for.
Os tragos do cigarro são mais freqüentes, enquanto ele encara a folha.
Cada vez mais desafiadora, cativando seus pensamentos... A folha faz dele o que é,
assim como ele se esforça em dar à folha significado. O frenético galopar das teclas a
preencher os espaços em branco com pixels que representam a tinta e palavras que
passam, de forma sintética e formal a compor frases, sentenças e idéias traduzindo
pensamentos abstratos em conceitos pragmáticos.
Tudo se juntando para fazer algum sentido... Para traduzir todo um mundo através de
suas palavras. Ele se sente importante fazendo isso, mesmo incapaz de notar os seus
erros de português ou vícios de linguagem sem a ajuda do corretor ortográfico... Não,
ele não se importa. As ferramentas do artesão não diminuem a sua competência, é o
exato contrário.
Orgulho, talvez seja a palavra correta. A empáfia de estar criando arte. De criar algo
relevante. Algo com valor agregado... Importância artística... Qualidade para subsistir e
sobreviver ao teste do tempo.
Orgulho definitivamente é a palavra correta, o que, é bem verdade, mesmo que somente
após um resultado positivo ele deveria realmente se sentir de tal forma.
Até o momento, nada além dele ali sentado, fumando um cigarro barato e fedorento
enquanto digita palavras aleatórias que juntas compõem uma frase inconvincente, e
entre uma tragada e pequena formação de palavras, mexe o gelo de seu copo, ou coça a
têmpora, com uma expressão fatigada, que, talvez fosse somente sua representação de
frustração, em resposta direta ao orgulho de outrora. Uma montanha-russa de emoções
que moldava seu espírito, que definiria a paixão ou o tédio com que as palavras fluiriam
pelo papel e o texto tomaria forma.
Seguia horas e mais horas diante da folha vazia. Pensando. Sentindo as palavras que
irão ordenar suas idéias, que irão preencher os vácuos do papel.
Nada.
Ele respira fundo, fecha os olhos e começa a criar um mundo. Em breve compõe a
intrínseca cadeia de eventos que leva a criação de vida átomo por átomo. Letra por letra.
Respira fundo, e então abre os olhos.
Bebe um gole, buscando no fundo do copo a inspiração.
Respira fundo, apaga o cigarro, pensa. Pensa no personagem, sua vida pregressa e o que
fizera ou teria para servir de motivação. Pensa nos obstáculos, nas coisas, no mundo em
que ele habita e suas circunstâncias. Nos desafios, nas tragédias, nos coadjuvantes...
E pensa na folha em branco.
Parece haver uma expressão irônica, satírica por trás daquela inanimada página diante
de si. Ela o desafia ao mesmo tempo em que motiva e perturba. Provoca seu orgulho de
escritor, motivando as palavras a jorrarem, dando forma ao universo criado.
Mais uma vez, digita freneticamente palavra após palavra como se sua vida dependesse
disso. Escreve como que possuído por uma força maior... Como se a história que
habitasse sua mente pulsasse viva buscando sair de alguma forma e essa fosse
exatamente a forma escolhida para fazê-lo.
Frenético, enfático, inspirador.
Já não sabia fazê-lo de outra forma.
Precisava da inspiração para escrever, dar voz a seus pensamentos... O que é estranho
quando observa-se que são certamente antagônicos, uma vez que os escritos são
estáticos até que alguém traga vida a eles com sua imaginação.
Vivia disso, era sua arte, como dizia. Seus sonhos, suas frustrações, todos vívidos e
reproduzidos monocromaticamente diante de seus olhos a cada novo conto, a cada nova
história, a cada nova crônica. Era sua vida. A vida de seus personagens.
Escrevia e reescrevia veloz e prático. Sem humildade, e sem revisar pela primeira vez
que fosse ao texto, e já o considera sua obra-prima.
E porque não? A modéstia nunca foi pré-requisito para nada, principalmente para
sucesso, ou sequer para real demonstração de talento.
Cigarro, gelo, têmpora.
Parágrafo novo, diálogo simples, sucinto, rápido para justificar a ação apresentada.
Fim do parágrafo.
Coloca o gelo em cima de sua testa por alguns segundos. Sente uma pequena dor de
cabeça, mas não quer parar ainda. Não pode parar ainda.
Está apenas começando, e está se empolgando com o resultado. Se parasse agora, teria
de refazer todo o processo... Algo que pode levar horas, até dias para retomar sua
inspiração.
Não... Parar agora seria loucura. O gelo alivia um pouco a dor, e as palavras fluem
novamente frenéticas por seus dedos que flutuam pelo teclado rapidamente entre
espaços, vírgulas e caracteres. E o pulsar das teclas é o único som a eclodir da sala.
Sua respiração é baixa e silenciosa, seu computador novo e potente não emite som
algum... E o sibilo da chama consumindo filtro e papel é tão baixo que se perde
facilmente entre o bater e rebater das letras.
Só é necessário, porém, um instante para sua mente divagar e se perder... Uma pausa
mais longa e toda a concentração se esvai, derramada, espalhada... Navegando um mar
de possibilidades que de nada o ajudam, somente a se perder definitivamente sem nunca
achar porto seguro, ou voltar ao caminho que vinha traçando.
Aproveita o momento, fuma mais um pouco, bebe o que restara no copo, e se serve uma
nova dose. Desta vez saboreia a bebida, valendo-se da oportunidade para relaxar, e
sorver o momento. Desligar sua mente de vez, se preparando para iniciar de novo o
‘ritual’ e, encara a folha, sentindo as palavras que nela vão brotar para compô-la. Toda
aquela epopéia que já está ali escrita na página em branco, somente esperando para
ganhar forma.
Fecha os olhos por um instante, respira fundo.
Uma. Duas vezes.
Começa de novo a digitar, antes mesmo de reabrir os olhos, mais calmo e relaxado.
Breve ele digita novamente, com menor velocidade, com menos paixão... Segue em seu
ritmo diminuto de forma natural ao digitar as palavras. Agora é mais uma questão de
acabar o texto, é o que pensa. Só mais algumas palavras, mais algumas linhas e estará
terminado.
Com certeza não será algo marcante, ele percebe... Passou, e se perdeu instantes atrás,
mas acredita que, no final, o saldo ainda foi positivo.
Era o que esperava...
Continuava mecanicamente, seguindo seu ritmo, buscando o fim do trabalho.
Até que surge uma nova folha em branco.
























E o ciclo recomeça.

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