Ele
segura sua pequena, carinhosamente e parece que o tempo não existe, assim como
qualquer outra coisa no universo.
Aquela
diminuta criaturinha loira e babona incapaz de realizar qualquer coisa que
difira de dormir, chorar e fazer coco, mamar... E ser simplesmente adorável.
Aquela prova viva de que a simplicidade é o caminho da felicidade, e que isso
mesmo tão simples e evidente desde nosso nascimento, ainda é algo tão
facilmente esquecido.
A
pequena sorri, enquanto seu pai brinca com ela, segurando um chacoalho ou outro
brinquedo infantil colorido e barulhento que ele balança freneticamente diante
dela. E ela sorri, gargalha alto e chama a atenção de todos que passam ali.
E
é algo bom.
Não
há quem veja aquela criaturinha linda e charmosa sorrindo e se divertindo ao
lado de seu pai que consiga manter um olhar sério, carrancudo ou pessimista. Os
sorrisos se espalham, o carinho se espalha e um bem estar, uma sensação clara
de que algo bom existe e está bem ali, diante de qualquer um que queira ver.
Mais
que qualquer um, evidentemente, quem sorri é o pai, que se diverte e se sente
realmente feliz, somente por estar ali. Ela parece cansada, e ele resolve
colocá-la no carrinho um pouco, empurrando-o para frente e para trás, cantando
uma canção suave e envolvente que a embala para o sono.
_
Demorei muito? – pergunta a mãe, olhando no relógio e carregando sacolas e mais
sacolas de compras.
_
Confesso que não percebi... Essa pequena exige tanta atenção que...
_
É... Eu sei bem disso... – diz a mãe sorridente entregando as sacolas de
compras para o pai, enquanto se posiciona atrás do carrinho de bebê – Vamos?
Sem
uma palavra, o trio segue pelos corredores da loja, Milton, Marina e a pequena
Verônica.
***
O machado desce
suavemente contra a madeira, sem falhas, sem a necessidade de repetidos golpes,
algo que somente com anos repetindo esse ritual vespertino para tornar o hábito
mais eficiente, nessa que era sua última tarefa diária antes do regresso ao
lar. Mas não era um lar.
Ele estava
sozinho, e sabia muito bem disso, mesmo que o sentido e contexto não fossem
exatamente claros. Não havia mais nenhuma vivalma nas ruas, em outras casas e
no restante do mundo, e fazia muito tempo disso. Tempo demais, para se ter
certeza de estar completa e totalmente sozinho.
O pequeno
casebre de madeira, improvisado em um lugar alto de uma colina fria, parecia
deixar mais frio entrar que impedi-lo de fato, e ele sente que aquela seria uma
noite particularmente fria. Não havia lua, e as nuvens se formavam densas no
horizonte. Uma tempestade seminal, talvez, embora improvável. Não havia vento.
Ele deixa as
toras ao lado da casa, carregando apenas o que precisaria para acender uma
fogueira, para impedir que morra com o abraço gelado da noite, que seus
cobertores vinham repetidamente se provando insuficientes.
Como em outras
ocasiões, aqueles pareciam os seus últimos pensamentos a correr pela vastidão
de sua massa cinzenta, por isso parecia lógico abrir sua última garrafa de
vinho, consumi-la até o final e passear pelo tortuoso caminho da memória,
através do pesado álbum de fotografias que deixava como um troféu e seu bem
mais precioso ao lado de sua cama.
“Dias de ouro”,
ele sussurra, virando as páginas que a cada instante parecem mais embaçadas
pelas lágrimas a turvar-lhe os olhos. Seu pai, sua mãe, seus amigos, alguns nem
tanto... O antigo pessoal do trabalho, do time de futebol amador, dos encontros
de pôquer... Seu grande amor do colégio. O grande amor de sua vida. Sua filha.
Chorava
caudalosamente, sentado ao chão apoiando suas costas à poltrona, mantendo nela
inclusive um segundo álbum quase tão grosso e pesado, este trazendo ainda mais
fotos, e mais histórias – como desenhos e trabalhos de escola de sua filha.
Abraçou com força o pesado documento que carregava contra seu peito, como se
estivesse de fato, não só com uma ou outra das pessoas de suas lembranças e sim
todas.
E assim ficou,
pelo restante da noite fria de inverno.
No suave abraço
das lembranças, no confortável toque das boas recordações. Algo que, mesmo
sendo o último homem do mundo, cansado e faminto, não lhe seria privado.
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