Resolvo,
finalmente, visitar Virgilio na clínica, e, peço um fim-de-semana de folga para
Marina, que fica sob os cuidados de minha mãe e minha sogra, além das duas
outras enfermeiras que, por um pequeno bônus, topam trabalhar dois dias extras
na semana.
Por
um motivo que, eu não consigo explicar, acabo aceitando a companhia de Verônica
nessa viagem e, posteriormente também ficaremos na mesma pensão – porém em
quartos separados. Não acho que prestaria se estivéssemos ainda mais juntos
nestas duas noites, de sexta e sábado, apesar de já não achar que a viagem como
um todo vá prestar. Ela me atiça, mesmo sem querer, ao ajustar os óculos
escuros, ao balançar os cabelos, ao mover a mão pelo pescoço... Eu fico olhando
através do retrovisor interno, torcendo para não fazer algo ainda mais estúpido
do que já estou fazendo. Às vezes me pergunto se conseguiria.
A
viagem é longa, e acabamos parando algumas vezes em postos de gasolina para ir
ao banheiro, ou somente para ficar alguns minutinhos em pé, tomar um cafezinho
ou uma água ao menos. Em cada decida do carro, surge um silêncio e momento
desconfortável. Fico sentindo que deveria fazer algo... Não sei, abrir a porta
pra ela, pegar sua mão ou... Que tipo de idiotice estou fazendo? E são mais
quase duas horas só para chegar à pensão. É uma longa viagem, e minha mente
permeia caminhos que não deveria ousar. Sou um grande babaca, e parece que pensar
nisso me faz querer ainda mais. E me faz pensar o que existe de errado comigo,
porque estou buscando um caminho que não é o meu, que não me pertence,
negligenciando a quem me quer bem... Quem precisa de mim, mais que nunca...
Quando entro no quarto, e me vejo diante do espelho do banheiro, sinto uma
vontade de gritar, de simplesmente voltar para casa, como se nada disso
estivesse acontecendo ou acontecido. Por um instante, mal reconheço meu próprio
reflexo.
Tomo
um longo banho, e reflito bastante sobre o que estou fazendo, e porque estou
aqui. Eu preciso conversar com alguém... Um bom amigo... Eu preciso de um pouco
de ajuda, e é isso que vim buscar aqui na clínica. Só isso... Pura e somente
isso.
A
noite é longa e intempestiva. Acabo bebendo um bocado para tentar obter algum
conforto, sendo que tudo que consigo é uma colossal dor de cabeça e só noto a
ausência da Verônica pela manhã seguinte, quando vejo um bilhete seu, dizendo
que eu não deveria esperá-la, ou acordá-la para minha visita. É a melhor idéia
que ouço desde que a sexta feira terminou.
Não
me lembro de ter comentado algo sobre a clínica, mesmo em minha primeira visita
ou de minhas primeiras impressões, mas é um lugar imensamente lindo. Verde,
cheio de árvores para todo lugar que se olhe, amplo e fresco, com um clima de
sítio, chácara ou fazenda antiga, inclusive em um prédio inteiramente feito com
estruturas de barro e moldes coloniais. Um verdadeiro mimo. Um lugar
incrivelmente lindo e relaxante.
Tudo
que uma pessoa enfrentando uma crise precisa para se reencontrar.
Parece
até conveniente...
Quando
chego a Virgílio, tenho de aguardar alguns minutos, devido a uma reunião em
grupo ou algo parecido ocorrendo nas imediações, e da qual ele está fazendo
parte. Eu fico em uma sala de espera, com uma mesa de canto cheia de revistas
antigas e, com a coisa mais atualizada um jornal do dia, de um município que
fica a quase duzentos quilômetros daqui, curiosamente.
Folheio
por alguns instantes, e, depois de vinte minutos esperando pelo fim da reunião,
vejo que estou tão entediado quanto humanamente possível. Começo a brincar com
o telefone, jogando paciência ou algum joguinho igualmente com o propósito de
distrair. E continuo com isso por quase mais meia hora. Uma hora de espera se
passa, e é quando me dizem que posso entrar.
O
ambiente é esquisito. Ruim, eu enfatizaria.
Ao
contrário de tudo que vi até agora, é fechado, opressivo, com um odor peculiar
e desagradável – quase de hospital – e cores frias estampando as paredes,
inexpressivas.
Sentado
diante de Virgílio em uma mesinha no refeitório, levo os documentos e livros
que estava devendo a ele, e, ficamos em um longo silêncio, até que resolvo
perguntar:
_
E como vão as coisas? Já se sente melhor... Quer dizer, pronto pra voltar e...
E
é quando começamos um segundo longo silêncio. Dessa vez realmente
constrangedor, enquanto ele olha para os papéis, documentos e livros, quase que
ignorando minha presença.
_
Eu tenho andado bem mal das pernas,meu amigo... Desde que a Marina teve seu
acidente, minha vida... Quer dizer eu...
_
Eu, eu, eu, eu! Sempre o umbigo do universo, não, senhor Milton Oliveira
Santos? Sempre tudo tem de ser sobre como as coisas afetam sua merda de vidinha
suburbana perfeita! Claro, sempre tem de ser!
Virgílio
grita, transtornado, furioso. Parece que vai me atingir com alguma coisa
enquanto anda para frente e para trás. Ele realmente não parece melhor que
quando veio.
_
Houve um tempo que eu achei que você fosse meu amigo, meu caro. Que estivesse
realmente preocupado, que quisesse saber o que realmente eu sinto ou senti...
Quer dizer, faz quase um mês que eu estou aqui e é a primeira vez que você vem
me visitar! UM MÊS!
_
Ei, não é bem assim... As coisas...
_
As coisas, as coisas! Bah! Bosta nenhuma! Você usa “as coisas” como muleta,
como justificativa para moldar e ver o mundo da forma que melhor lhe couber.
Sua mulher ficou doente? Então isso é motivo para que eu negligencie meu
amigo... Seu time perdeu um jogo? Então porque não ignorar que alguém morreu
diante de um estádio e não correr dar uma rapidinha, não é mesmo?
_Ei!
Olha aqui... – Eu me levanto para reagir, já furioso, quando sou surpreendido,
uma vez mais, por um tom ainda mais raivoso.
_
OLHA AQUI PORRA NENHUMA! Você não
consegue se importar com ninguém, Milton, e por isso manipula e usa as pessoas
ao seu redor para conseguir o que quer. E é por isso que você precisa de mim,
porque eu ao contrário de você me importo, e contrabalanceio isso. E
contrabalanceio tanto que acabo relegado, inútil quando as coisas andam bem,
deixado pra apodrecer com meus livros e teses e todas as coisas que você sequer
se importa em fingir interesse, a menos que te ajude a conseguir uma garota ou
uma refeição grátis ou algo do tipo, não é mesmo?
Aposto
alto que sequer folheou minha versão inicial de minha tese.
(Ele
ganharia essa aposta, e é o que me faz sentir ainda pior. Olho pro vazio,
pensando em fazer algo, em dizer algo, mas não passa nada por minha mente. Nada
produtivo ou útil).
_
Você é patético.
Não...
Não, eu sou patético. EU.
Achando
que poderia ter alguma importância para vossa excelência e magnanimissência
senhor Milton Oliveira Santos! Quanta petulância a minha.
Ele
sai dali, falando pelos corredores enquanto carrega seus livros. Eu, por outro
lado, fico sentado, olhando para o vazio, com aquele barulho todo ecoando por
minha mente por um bom tempo. Me pego chorando, parte furioso, com vontade de
arrancar a cabeça de Virgílio e chutá-la como uma bola de futebol, parte
envergonhado e entristecido com o que ele disse. Tantas coisas que eu realmente
sequer cogitei em minha vida.
Uma
enfermeira se aproxima, algum tempo depois, e começa a me explicar a condição
toda. Na ausência de família próxima, eu sou o contato mais próximo, e ela me
atualiza da situação. É realmente preocupante, e mostra bastante o quanto ele
estava certo. Eu não fui um bom amigo. Eu fui um bosta. Deveria estar ali, ao
lado dele, presente, ajudando e me envolvendo... Fazendo com que...
Depois
de ouvir tudo, finalmente caio diante do fato que, depois de tanto tempo
achando que conheço uma pessoa, não fazia idéia dos demônios que ela carrega...
E o quanto eles estão a consumi-la. Fico por um bom tempo parado, atônito, sem
reação. Acabo perdendo a noção do tempo. Realmente o restante do dia e deste
fim de semana passa como um clarão.
Tudo
que consigo lembrar é de estar chorando em meu quarto na pensão, por um bom
tempo, chegando até a soluçar. Verônica chega, e me oferece um ombro amigo, me
conforta e pede delicadamente para ouvir minha história. Ela diz que imaginava
que seria ruim, mas não tanto. Ficamos por um bom tempo deitados, eu, em
posição fetal entre seu ventre, e ela me abraçando, alisando meus cabelos
delicadamente.
Acontece
tão rápido, e quando percebo já é um novo dia, e, com ele vem a estrada e a
volta.
E
na volta, recebo a notícia de que Marina teve novas complicações, e está
hospitalizada novamente. Talvez ela não sobreviva, e nem o bebê.
Peço
um dia de folga, na segunda, depois de uma noite em claro no hospital, e sonho
com um novo dia. Acordo com uma decisão tomada: Preciso visitar meu pai.
***
De
todas as pessoas neste mundo, dispostas e capazes de me apoiar, com toda a
certeza meu pai é o maior exemplo dentre elas. Esteve diante de mim em todos os
momentos decisivos, em todos os momentos de calmaria ou de atribulações. Foi a
primeira pessoa pra quem mostrei meu trabalho de conclusão, e posteriormente
meu diploma. Ficamos horas conversando sobre o mérito de concluir o ensino
superior, sobre como todo um mundo se abria diante de mim e todas as
responsabilidades e exigências da vida adulta que começavam.
Foi
com ele que falei primeiro sobre meu primeiro emprego, sobre minha efetivação
e, bem, sobre um bocado de outras grandes conquistas de minha vida. E então o
releguei... Mais ou menos na época que as coisas foram ficando mais sérias com
Marina. Sequer vim aqui para mostrar a foto de nossa pequena da
ultrassonografia... Aquela que todo pai babão carrega na carteira, e os mais
relapsos até esquecem de olhá-la de vez em quando. Eu, pior ainda, esqueci de
mostrá-la para meu pai.
Tem
tanto tempo que não venho que acabo até esquecendo como fazer isso... Fico meio
sem jeito, não sei o que dizer... A melhor maneira para começar. Digo um “Ei,
faz um bom tempo, não é?”, sem muita empolgação ou expectativa. Ele fica ali,
olhando para mim, com seus olhos calmos e silenciosos. Grande homem.
Conversar
com ele sempre me traz paz. Não importa o motivo da conversa, e é por esse
exato motivo que faço essa procissão.
“Preciso
de um conselho... Não... Eu preciso de força, pai. Nunca estive tão
desesperado, tão perdido como agora, e acredito que só o senhor possa me
ajudar. Só o senhor pode... Desculpe, não é verdade.
A
verdade é que eu não tenho mais a quem recorrer. Eu abandonei meu melhor amigo,
e abandonei também minha esposa... E cai num vício... Num círculo vicioso de
estupidez e idiotice, sempre um passo diante para realizar a próxima. Continuar
numa empresa que não me quer mais e que nunca foi o que eu realmente quis fazer
de minha vida... Afastar tanta gente de minha vida nesse processo da promoção,
mudando para um lugar maior, uma casa maior e mais vazia... Tanta gente que
deixei pra trás.
Inclusive
o senhor.
E
é por isso que começo, explicando a verdade, como o senhor sempre me ensinou,
que ela é capaz de libertar, e abrir o caminho para a solução.”
A
tarde é fria e venta muito, bastante atípica para os meados de novembro. Nada
sinto. Tenho coisas maiores passando por minha mente, e isso me mantém focado.
Concentrado.
O
próximo passo é incerto, e assim chega a noite, quando retorno para o hospital.
***
O
dia seguinte (como é de se esperar, quase uma constante) é um tanto conturbado.
Muita agitação, alguns manifestos por parte de funcionários do banco,
principalmente os mais antigos, com mais tempo de casa, que ainda lhes faltavam
alguns anos para a aposentadoria, e agências inteiras sem trabalhar, aguardando
palavras do presidente ou de algum outro representante. Para minha surpresa,
quando chego ao serviço, o presidente havia se demitido horas antes, sem causar
alvoroço ou chamar qualquer destaque, como forma de acordo estabelecido com a
matriz do Swann’s. Ele receberia uma verba compensatória e, discretamente, se
retiraria dando vazão para um próximo escolhido, desta feita já selecionado
pelos dirigentes internacionais. Até segunda ordem, portanto, o
vice-presidente, e meu amigo, Fausto, seria o responsável por toda aquela
lambança. Ele me diz isso pessoalmente, coisa que descobrira durante a
madrugada com um recado do presidente anterior em seu celular, por volta das
três e trinta, dizendo algo como “Passando a bola, aproveite e boa sorte”. Como
sempre motivador.
Fausto,
como deveria se esperar, estava desesperado. Tinha de conter toda aquela
confusão e tentar apaziguar os ânimos de todos os funcionários grevistas, além
de cobrar deles a colaboração neste momento, sem poder oferecer qualquer
garantia, e foi o que ele me pediu, adicionando: “Amigo, eu preciso de uma
forma direta e simples pra dizer isso”.
“E
rápido”, emendou.
Não
pensei muito para responder, e até acredito que se o fizesse, minha sugestão
seria bem pior. Disse a ele que o melhor, numa situação dessas, era ser franco,
integralmente franco. A diretoria poderia não gostar e demiti-lo? Bem, a
diretoria já estava pensando em demiti-lo, como anunciaram na reunião de acionistas,
e, novamente na reunião com todos os funcionários departamentais menos de uma
semana atrás, assim como todos os demais do alto escalão.
Talvez
também não apaziguaria por completo os ânimos. Até parece bastante claro que
não apaziguaria mesmo, uma vez que as pessoas estão assustadas e preocupadas,
e, parte de seus medos só se confirmaria com a declaração de Fausto. Mas elas
saberiam o que esperar, e poderiam se preparar para isso.
O
importante naquele momento era reduzir o caos, e, com algumas ligações de
última hora, Fausto agendou uma reunião com os principais representantes
sindicais, dirigentes de agências de grande porte e, demais funcionários
interessados nas instalações de nosso prédio, por volta do meio dia. A conversa
seria retransmitida para as demais e mais distantes agências, e, caso isso
fosse impossível, o conteúdo também estaria disponível como texto, alguns
minutos após o fim dessa reunião de emergência.
E
deu certo. Por volta das duas, nenhuma informação sobre novos protestos ou
manifestações se fez. As pessoas passaram, em contrário, a enviar mensagens de
solidariedade a Fausto e outros membros departamentais, correndo muito mais
risco de demissão que os demais colegas. Por volta das quatro, Fausto aparece
em minha sala com uma garrafa de champagne, que sempre guardou em sua sala,
mais como um ornamento que qualquer outra coisa.
“Genial,
Miltinho! Genial!” – disse enquanto entrava, abrindo a garrafa.
Conversamos
por alguns minutos, falo sobre Marina, sobre minhas preocupações, e ele fala um
pouco sobre as suas próprias. Sobre sua filha, que ele não vê há quase dois
anos, depois que se mudou para o Canadá, e, dificilmente entra em contato.
Sobre sua mulher, que, resolveu abandoná-lo devido a esta sua rotina insana de
trabalho. Sobre como tudo mudou desde que voltou para trabalhar no banco, como
teve de mudar também. Ficamos conversando por um bom tempo, e é quando ele me
cobra alguns projetos, engavetados ou nunca sequer trabalhados.
“Naquele
dia que almoçamos com Dennis, com todo aquele papo pesado, eu me lembrei de uma
conversa com você, e, hoje, ficou ainda mais claro isso tudo. Nós conversamos
sobre como a administração é cega as necessidades dos funcionários, como
pareciam inertes e incapazes de lembrar daquele tempo em que estiveram atrás de
uma mesa padronizada e atendendo cliente após cliente com reclamações absurdas
e objetivos e metas abusivas para se cumprir e... Como tudo isso parece
distante e diferente agora que estamos aqui. Agora que somos a diretoria, que
cuidamos da administração, por bem ou mal, e parecemos cegos e incapazes de
enxergar os problemas daqueles que estão lá embaixo, fazendo o serviço
pesado... E precisando de umas poucas palavras, de um pouco de apoio e
direcionamento, não mais e nada mais que nós precisamos... Repostas e condições
para o bom desempenho e fluxo do serviço a ser desempenhado”.
Há
um silêncio introspectivo por um instante, lembrando dessas coisas, e de tantas
outras analises que fiz e paralelos que tracei sobre o assunto, e que nunca
mostrei a alguém. Começamos a traçar alguns planos e projetos para melhorar a
comunicação interna, algo que só no dia seguinte poderemos saber se tem
qualquer mérito ou valia, afinal estávamos bastante animados, e não mais
exatamente coesos.
Um
dia incrível. E ainda havia o segundo tempo...
Depois
de um segundo susto, os médicos dizem que não existem motivos para preocupação,
e, Marina estaria em casa ainda na quarta-feira, e tanto ela quanto a criança
estavam em perfeitas condições. Ela estava estabilizada e, mesmo com o
contratempo do fim de semana, os médicos deixaram bem claro que ela está, se é
que possível, ainda melhor que antes. Ela só precisava se alimentar um pouco
melhor, e tentar se mover um pouco mais em casa. A gravidez, obviamente ainda
era de risco, diante de tudo que aconteceu até agora, mas as perspectivas mais
otimistas diziam que em quatro meses e meio quando nossa menina está
programada, e a cesariana minimiza os riscos inerentes do nascimento a quase
zero.
Em
muito tempo, pela primeira vez ouço boas notícias, e parece que a nuvem
cinzenta começa a se dissipar.
Durmo
como uma criança, mesmo que desconfortável e jogado ao lado de Marina no leito
do hospital... Não importa. A maré estava mudando. Podia finalmente colocar a
cabeça num travesseiro e descansar.
***
Marina
está se recuperando do último susto que tivemos, que, não foi nada grave,
apesar de precisarmos manter enfermeiras em casa por, pelo menos mais duas
semanas. Sei que não tenho nada contra as duas, ou mesmo as visitas freqüentes
de minha mãe ou minha sogra, e, com toda a certeza, não tenho a fibra
necessária para fazer tanto do serviço que todas elas fazem, mas não me sinto
bem naquela casa tão constantemente cheia, e, eu ainda tão vazio. Ciúmes ,
talvez. Acho que ela anda recebendo tanta atenção que sinto como se ela não
precisasse de mim... É patético, eu sei. E é algo sobre o que eu havia lido ou
visto anteriormente, sobre se sentir um estranho na própria casa, e, agora, eu
sentia.
Precisava
de ar, e após passar por alguns lugares, acabo na universidade, conversar com a
única pessoa que julgo capaz de me abstrair de minha situação, com algum debate
bastante prolífico sobre algum assunto do qual eu provavelmente pouco ou nada
saberia...
_
Já assistiu “A noite dos mortos-vivos”? Filme antigo, de 1968, preto e branco,
qualidade bastante questionável, diálogos forçados, atuações ainda mais...
Enfim, nenhum primor, mas com certeza uma boa fantasia, uma boa viagem.
Muito se discute sobre o significado do filme, sobre possibilidades, imagens e pretextos. Alguns dizem que a casa é uma metáfora ao cérebro humano, com as pessoas representando idéias, pensamentos, fantasias e sonhos. A aproximação de pensamentos ruins, negativos, tenta corromper a estrutura deste cérebro, mas não é capaz de sobreviver por muito tempo. Mesmo que com alguns sacrifícios.
Outros supõem que é uma crítica velada à guerra fria. Os zumbis sem alma (uma vez que é comum associar o comunista russo a imagem de um ateu), coração ou piedade são os comunistas, agindo por impulso, sem pensar ou incapazes disso, e, levemente semelhante, alguns dizem que é na verdade um questionamento à sociedade de consumo moderna, à necessidade de se situar e pertencer, e fazer parte de um grupo – o que faz um pouco menos de sentido que a teoria da guerra fria, pelo contexto histórico, do período em que a película foi lançada.
Ou uma análise do medo da natureza humana, da brutalidade. Os zumbis podem ser vistos como tudo que causa repulsa na humanidade, tudo que folgamos em crer abandonar.
Também pode ser somente um filme sobre monstros sobrenaturais combatendo pessoas normais, como todo filme de monstros ou, caso prefira, de ação e com monstros, e, tão somente isso.
Muito se discute sobre o significado do filme, sobre possibilidades, imagens e pretextos. Alguns dizem que a casa é uma metáfora ao cérebro humano, com as pessoas representando idéias, pensamentos, fantasias e sonhos. A aproximação de pensamentos ruins, negativos, tenta corromper a estrutura deste cérebro, mas não é capaz de sobreviver por muito tempo. Mesmo que com alguns sacrifícios.
Outros supõem que é uma crítica velada à guerra fria. Os zumbis sem alma (uma vez que é comum associar o comunista russo a imagem de um ateu), coração ou piedade são os comunistas, agindo por impulso, sem pensar ou incapazes disso, e, levemente semelhante, alguns dizem que é na verdade um questionamento à sociedade de consumo moderna, à necessidade de se situar e pertencer, e fazer parte de um grupo – o que faz um pouco menos de sentido que a teoria da guerra fria, pelo contexto histórico, do período em que a película foi lançada.
Ou uma análise do medo da natureza humana, da brutalidade. Os zumbis podem ser vistos como tudo que causa repulsa na humanidade, tudo que folgamos em crer abandonar.
Também pode ser somente um filme sobre monstros sobrenaturais combatendo pessoas normais, como todo filme de monstros ou, caso prefira, de ação e com monstros, e, tão somente isso.
Qual
análise está correta? Qual é mais próxima da imagem criada e inspirada pelo autor?
O que ele realmente quis dizer com isso? Talvez existam mais possibilidades,
porque não? Isso muito me lembra de alguns de meus alunos, quando iniciam sua
jornada pela literatura tendem a me perguntar minha opinião sobre Dom Casmurro.
Ele
faz um silêncio profético, daqueles para fazer suspense, e nada mais que isso.
Fica olhando para o nada, como se procurasse um bom chá, do qual beberia um
gole pequeno apenas para sentir o gosto. Fico olhando por alguns instantes,
tentando sorver o monólogo, e, após pouco tempo emendo: “E o que responde?”
_
Oras, que Machado não quis dar a resposta.
Por
um tempo fico ali, olhando para aquele homem calmo e sereno, irônico em sua
resposta, e, ainda assim, tão verdadeiro. Eu rio, discretamente, mas uma risada
gostosa, como há muito tempo não tenho experimentado. Ele entra no embalo,
algum tempo depois, e, então retoma seu trem de pensamento.
_
São tantas perguntas, e, honestamente, cada uma e todas elas só podem ser
respondidas pela simplicidade da interpretação pessoal – algo que muitos
estudiosos e pensadores se mostram incapazes de fazer. Às vezes o cérebro
humano busca lógica no caos, e, às vezes até encontra em forma fractal ou
teorética... E algumas vezes precisamos forçar uma interpretação para que tudo
passe a fazer sentido.
Quer
dizer, assassinos procuraram sentido nas palavras do ‘Apanhador no campo de
centeio’ para justificar suas ações. Outros lunáticos a buscam na Bíblia.
Outros são capazes de enxergar coisas que não estavam ali e que, por si só são
capazes de abrir perspectivas novas e trazer explicações para a vida moderna,
seja a mensagem ambiental de Moby Dick, ou os dilemas psicológicos de Édipo
Rei. De toda forma os livros são apenas o que são, e são histórias. Contos,
fábulas, passagens de vida de pessoas reais e ficcionais. Contos para divertir,
contos para informar, contos para moldar... Histórias.
Desde
tempos primórdios o homem tem como grande e notável tradição a de contar
histórias e distribuir conhecimento e explicações sobre o mundo externo.
Sonhos, revelações... A imaginação como método de compreender o inexplicável,
como tanto se fez até a concepção do método socrático e científico...
Uma
história medíocre pode entreter. Uma grande história é arte.
Ele
faz uma expressão de paisagem, indiferente a intensidade de tudo o que acabar
de dizer, e fica ali, somente olhando em minha direção. Curioso, eu não consigo
me controlar e pergunto: _ Então o senhor está me dizendo que não existe nenhum
sentido oculto? Nenhuma mensagem secreta ou propósito?
_
Oras... E por acaso foi isso que eu disse? – encerra Borges enigmático.
***
Outubro
chega ao fim, e com ele o fim de uma era. Nada mais do Cosette resta.
Nome,
marca, esperanças, sonhos... Nada.
E
é nesse tom de despedida, aliado a partida de alguns tantos outros de nossos
amigos demitidos nos últimos meses e semanas, que uma festa se agenda. Ao meio
dia faríamos um grande almoço, sem hora de retorno, todos os funcionários,
amigos e familiares, colaboradores e quem mais se dispusesse a comparecer. Um
restaurante grande e confortável, elegante, requintado e particularmente, acho
que com as melhores carnes que eu já provei em minha vida. O cordeiro deles é
algo de outra realidade. Nunca encontrei algo sequer parecido.
Marina
se recupera muito bem, sem ninguém mais a pajeando vinte e quatro horas por
dia, e conseguiu por em dia seu trabalho e voltar a seu ritmo. Por isso resolvo
buscá-la, afinal, ela e nós merecemos uma comemoração destas mais do que nunca.
Vê-la
sorrindo, calma e tranqüila, celebrando ao meu lado... Isso enche meu coração
de uma esperança que não estava mais aqui. Existe tanta coisa que eu gostaria
de dizer para ela... O quanto eu senti a falta de tê-la aqui, ao meu lado, de
poder ver esse sorriso fantástico, esses olhos brilhando em minha direção... Mas
não consigo. Minha capacidade se resume a apertá-la um pouco mais forte, um
pouco mais perto de mim. Ela até estranha, pergunta “O que foi?”. Nada
respondo, só fico ali, olhando para ela, com um sorriso nos lábios e os olhos
levemente mareados. Não é preciso mais que isso.
Por
muito tempo venho buscando um tempo como esse. Calmo, alegre, com pessoas de
quem gosto e alheio a meus problemas, a minhas preocupações. Essa tarde é
exatamente isso. Marina ao meu lado, e, por agradáveis horas somos o mesmo
velho casal de antes, que não tinha que se preocupar com as contas do hospital
e das enfermeiras e com a saúde... Nada mais que um momento para curtir o
momento.
É
um dia perfeito.
Um
final perfeito.
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