Se você nunca assistiu a esse seriado, bem, spoilers a frente (mas acredito que moderados e genéricos, sem mencionar personagens e eventos específicos).
The Wire é uma das mais brilhantes produções da HBO, do autor David Simon entre os anos de 2002 e 2008, divididos em cinco temporadas e, basicamente é um show sobre uma unidade da polícia de Baltimore de combate às drogas tentando desbaratar o tráfico com o uso de escutas (ta-nan).
É mais que isso, uma vez que a série avança para lidar com assassinatos de imigrantes (temporada 2), a nada bonita questão política (temporada 3), a péssima qualidade do ensino nas periferias (temporada 4) e a falta de ética no jornalismo (temporada 5) enquanto conduzindo uma estrutura quase romantizada do crime e dos criminosos como uma espécie de Western moderno (lembrando que como no Western os 'heróis' dos filmes nada mais eram que marginais armados que só tinham razão quando atiravam primeiro).
E, cada temporada terminava com uma condição bastante parecida (pra não dizer idêntica) e otimista com uma montagem para todos os efeitos e causas agradável enquanto uma canção toca no melhor tom de comercial de margarina para fazer crer que tudo se fecha em um belo e satisfatório laço (você pode ver no youtube quase todas).
Acontece que isso é praticamente o oposto do teor do restante do material que o antecedeu - de novo, da prefeitura que corta verbas das escolas e da polícia para melhorar a imagem pública do prefeito como gestor em seu anseio de lançar candidatura a governador... Ou o jornalista inventando uma matéria sobre um serial killer e recebendo um prêmio Pulitzer... Ou o fato que os imigrantes responsáveis pelo fornecimento das drogas continuaram todos soltos...
Então qual o ponto? Bem, de que é uma ilusão, uma enorme mentira.
Não existe um fim, não existe uma forma legítima de concluir e chegar a uma conclusão lógica sem que os rumos e caminhos (que são os fatos apresentados durante a[s] temporada[s]) não mudem.
Sem mudar o trampolim do prefeito para se eleger governador, a qualidade das escolas vai continuar na mesma e os alunos pobres sem oportunidades (que são condições para os levarem ao tráfico). Sem mudar um sistema que premia prisões e não a reabilitação, não teremos uma força policial efetiva...
Enfim, o fim de cada temporada é uma montagem para inserir um falso senso de normalidade, uma falsa noção de que tudo volta ao normal, porque, afinal de contas a vida segue.
Como ao terminarmos o jornal. Milhares de refugiados passando fome em uma página e na seguinte a polêmica do vestido da ex-BBB.
Alguma esperança? Sim, de que você ignore tudo por conveniência e siga a sua vida. Esse é o ponto do final de cada temporada.
Sim, também existe o semblante do racismo velado que torna mais fácil omitir e esquecer algumas histórias em particular (sim, a dos negros pobres que são ferrados pelo sistema) mas aí a própria indústria do entretenimento fez questão de por uma bela cereja no topo ao ignorar a série (duas indicações a prêmios de melhor ROTEIRO apenas) enquanto, bem, o co-protagonista de Two and a Half Man, Jon Cryer recebeu várias, não só indicações como estatuetas de melhor ator (adoraria que fosse piada).
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