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5 de junho de 2013

Matryoshka


O machado desce suavemente contra a madeira, sem falhas, sem a necessidade de repetidos golpes, algo que somente com anos repetindo esse processo para tornar o hábito mais eficiente, nessa que era sua última tarefa diária antes do regresso ao lar. As noites de inverno eram sempre incrivelmente longas, e vinham sendo sem lua, o que faria dela mais escura e fria.
Nem pouca madeira, nem demais. Apenas o suficiente para manter a casa aquecida durante a noite, e manter a lareira funcionando. Pouco do que sobrara como carvão da noite anterior, e que ajudariam o fogo a pegar mais rápido, apesar de aquela madeira seca não precisar de incentivo.
Pequeno casebre, dez por dez metros, apenas quatro cômodos (a sala com lareira, o quarto, a cozinha e o banheiro), numa região afastada das cidades, no alto de uma pequena colina, cercada de bordos, carvalhos e outras árvores verdejantes e altas. Pela altitude, já era normalmente frio à noite, fosse inverno ou não, e a estrutura da construção não permitia grande isolamento térmico. E por questões de segurança, para que não acordasse sufocado por fumaça e o fogo que tomara toda a construção de madeira, ele adaptara parte da construção, mantendo próximos de sua lareira um tapete improvisado com revestimento de Kevlar, assim como a porta corta fogo que montara para o quarto. Mesmo que esta não impedira por completo a propagação da brasa, poderia ganhar os segundos suficientes para fugir pela janela ou esconder-se no abrigo subterrâneo, este inteiro feito de alvenaria e revestido de isolamento antitérmico, e ele chamava de ‘treino para viver num caixão’, fazia até questão de esquecer que existia tal recinto na casa, até porque não gostava de lembrar dos anos que passara ali com sua esposa e os dois filhos se escondendo naquele porão.
Tentava não pensar, na verdade. Somente como uma manutenção para os eventos, para o que estava a fazer, para não perder um dedo cometendo um erro ou coisa do tipo, não costumava refletir mais, pensar ou lembrar das coisas. Lembranças são coisas perigosas, ele sempre dizia, e naquele momento foi pego de surpresa, vendo o sol poente, lembrou de sua falecida esposa. Uma lágrima quase imediata surgiu, assim como o pensamento de sua filha, seus irmãos...
“Droga, Marta”, ele dizia em um sussurro baixinho enquanto suas lágrimas corriam, e ele sentia que os doze a quinze pedaços de madeira que carregava pareciam ganhar toneladas, e ele finalmente teve de parar por um instante. Colocou as mãos sobre o rosto, e conversou reservadamente com sua esposa por mais alguns instantes antes de voltar a seu trajeto. A respiração estava um pouco mais pesada, e os olhos avermelhados davam o tom da dor que ele carregava.
Antes de entrar na casa, como sempre fazia, guardava o machado em segurança em sua dispensa junto com outros equipamentos, principalmente uma vasta caixa de ferramentas, uma motosserra elétrica (que usava muito pouco, talvez há mais de três anos sequer tocara nela), e equipamento geral de jardinagem, como podões e vassouras de folhas. Também era ali que ficavam o gerador elétrico e a geladeira que ele mantinha funcionando, mantendo o diesel que alimentava este dínamo guardado em sua cova, e pelas suas projeções, manteria funcionando o equipamento por mais dois ou três dias antes de precisar de mais combustível.
Sua geladeira apesar de não ser nova, gastava pouco, e era sempre mantida para o mínimo de consumo, para garantir o funcionamento pelo máximo de tempo, mantendo os perecíveis, em sua maioria carnes, e algumas garrafas de bebida que ele guardava, mais pelo hábito da coisa que por qualquer outro motivo. Fazia tempo que não bebia. Seu organismo não estava mais acostumado, seu paladar já perdera a sensibilidade.
Naquele momento, porém, a única coisa que queria era uma dose forte.
Por isso pegou o whisky doze anos que guardava já há mais uns doze.
Desceu queimando, e a memória de sua mulher já ficava um pouco mais nublada.
Voltou para a casa, trancou todas as portas e janelas, seguindo seu protocolo de segurança.
Já estava bastante escuro pelo horário, e dentro da casa ele usava apenas um lampião de querosene.
Nessa noite não acendeu a lareira. Resolveu descer ao subsolo, e ficou ali olhando velhas fotografias do álbum da família. Estava cansado do que sua vida se tornara... Tinha saudades de todas as coisas que perdera, todos os amigos, todos os parentes...
Bebia para afogar as lágrimas, e um sorriso surgia com a nostalgia. Todos os bons sentimentos solapados por anos de dor e sofrimento, brotavam novamente, enchiam seu coração de esperança.
Os fortes ventos faziam as portas baterem mesmo trancadas. Do subsolo dificilmente algo que ouviria.
Não teve fome durante a noite. Era verdade que vinha comendo cada vez menos, racionando cada vez mais a comida, mas o álcool afastava a vontade de se alimentar.
Encontrou por acaso um rádio antigo, funcionando com um dínamo manual que eles compraram décadas atrás para acampamentos. Sabia que não haveria mais freqüências funcionando, há muito tempo já não emitiam sinais. Ainda haviam discos, fitas e cds.
Colocou uma coletânea de Paul Simon, e passou uma longa noite com uma garrafa a menos, e uma grande ressaca no dia seguinte.
Quando acordou, com a maior dor de cabeça que sentira nas últimas décadas, ele subiu até seu quarto, e deixou suas funções diárias para mais tarde, quem sabe o dia seguinte.
Assim que acordou preparou um belo naco de carne. Passara muito tempo racionando comida, que até sentia uma pitada de culpa com sua gulodice. Era um dia diferente aquele, mesmo que não lembrasse mais o seu verdadeiro significado. Sua memória já não era mais a mesma, e era fácil esquecer alguns detalhes.
No dia seguinte, pegou sua bicicleta, que ficava guardada para poucas ocasiões, e, como há muito tempo não fazia, foi para a cidade. Era um lugar estranho, cheio de fantasmas e pesadelos, uma lembrança de tempos mais simples, um vislumbre do grande fracasso da humanidade.
Sua cabana não era tão distante da cidade. Algo entre dez a quinze quilômetros por uma estrada simples e direta, que tinha como maior obstáculo o caminho de sua propriedade até a região pavimentada. Pista de terra, de má qualidade, e com alguns obstáculos para afastar inconvenientes.  Com chuva, era impossível trafegar pelo lamaçal que se formava, fosse caminhando, fosse numa bicicleta ou como mais se pensasse em trafegar.
Para ele, era algo vantajoso. Estava mais seguro assim.
Só não ajudava muito em dias como hoje.
Adiar ou esperar que a chuva passasse só complicaria ainda mais as coisas, e por sorte o barro ainda não estava preocupante. A volta seria um pouco mais complicada, porém.
Existem três entradas principais com acessos para os pontos mais importantes do distrito, das quais apenas uma ele evitava a todo custo, que infelizmente era a primeira, mais curta e mais próxima e, por algum motivo naquela tarde, sua mente ignorou os avisos e seguiu justamente por ela.
Este caminho apresentava a área mais abandonada da cidade, a área que ficou para trás mais rapidamente... Na região da universidade, com uma imensa biblioteca e um teatro não muito distante, não havia sinal de vivalma.
Antigamente se sugeriu que a humanidade destruiria todos seus livros, que os líderes, compelidos em manter e fazer com que as pessoas fossem mais ignorantes e facilmente manipuláveis, todo o conhecimento seria minado e eliminado... Porém algo muito mais horripilante aconteceu... A apatia fez com que ninguém se importasse.
Livros deixaram de ser relevantes, e passaram a ser ignorados.
Idéias deixaram de ser debatidas, discutidas e até mesmo pensadas.
Um processo involutivo, regredindo a um estado cada vez mais primal, cada vez mais rápido, segregando e dividindo a sociedade em grupos estruturados sobre essa diferença básica (as facções animalescas e aqueles que ainda mantém um mínimo de capacidade intelectual).
Durante várias décadas, os dois grupos coexistiram pacificamente, até mesmo sem saber das diferenças existentes entre eles. Com o tempo, porém, a hostilidade cada vez mais crescente do grupo animalesco forçou movimentos migratórios e a formação de sociedades nômades do segundo grupo, e tentando manter uma estrutura de sociedade ainda pacífica.
Não funcionou.
Conflitos se iniciavam a todo momento, por qualquer motivo.
Crises energéticas, recursos, esportes... Tudo era um motivo para o início da próxima matança. E foram muitas e cada vez mais com o passar dos anos.
***
O ar era denso e conturbado na cidade. Havia fumaça em todos os cantos e fogueiras improvisadas. Mesmo assim, nenhum sinal de sobreviventes.
Ao menos uma vez a cada período, fossem dois meses, fosse um ano – era difícil marcar períodos de tempo quando todo ele era tão igual – era preciso reabastecer. Principalmente para o inverno.
Como fizera em anos anteriores, ele vinha de bicicleta buscando um veículo maior, normalmente um furgão ou camionete, com a qual carregaria o máximo de galões que a máquina suportasse, em conjunto com a bicicleta. Ela era uma pequena benção, essa belezura sempre prática como meio de transporte que não precisa de nada mais que tração humana, e a manutenção eventual de pneus. Nada que reparos precários por fita isolante e um mínimo de esforço não fosse suficiente para diminuir uma distância de trinta quilômetros a poucos minutos de pedaladas.
Menos de dois quarteirões do posto de combustível, havia uma livraria, com um vasto acervo, e onde ele por sorte encontrou algum café da última vez. Era um lugar bastante deserto devido as condições destes loucos tempos, o que fazia dela o lugar perfeito para estacionar e sondar o perímetro. Numa eventualidade, era inclusive um lugar perfeito para passar a noite.
Por garantias, é claro, resolveu conferir as instalações, saboreando aquele breve e estranho momento. Passear por entre os livros, como se nada estivesse errado... Como em um longínquo passado em que ele fazia isso, levando seus filhos e a esposa para tomar um chá, um café e folhear revistas novas... Quando dezenas de livros novos saiam todos os meses. Quando existiam livros novos. Quase parecia ser uma outra vida...
Um passado que não existia mais, onde ainda havia esperança.
Foi quando ele notou, numa das portas...
Na verdade em todas as portas do sanitário, havia um longo texto, espremido no espaço que tinha disponível para todo o conteúdo, e formatado de uma maneira pouco convencional, com cada parágrafo/estrofe utilizando um espaçamento oscilando, escrito de maneira quase maníaca devido a repetição de cada detalhe entre as muitas versões do texto. Não aparentavam demonstrar qualquer diferença visível. Ele vagou por outras salas, por outros ambientes, e notou nos banheiros femininos e de outros andares que haviam as mesmas inscrições, repetidas e repetidas em cada porta – somente nos toaletes.
Algo que lhe pareceu curioso, porém, e seus conhecimentos falhavam para confirmar ou constatar, é que a cada novo ambiente ele veria o texto reproduzido em um idioma, ou ao menos assim parecia, e seguia em frente, com o coração pulsante imaginando que encontraria ali o autor ainda escondido, esperando e buscando ajuda e outra criatura.
Começava a pensar que, talvez, não estivesse sozinho, e seus olhos começavam a fitar atentamente o texto, buscando respostas.
O universo deu-se início em um fenômeno chamado ‘Big Bang’ num condensado de massa densa e quente aproximadamente 13,73 bilhões de anos começando a expansão contínua. Estima-se que sua dimensão é de 93 bilhões de anos luz (destacando-se que 1 ano luz equivale a 9.460.730.472.580,80 km), ou mais ou menos 5,88 x 10¹ vezes a distância entre a Terra e o Sol (de aproximadamente 149.600.000 km). Estima-se que a matéria somente passou a surgir no universo 300.000 anos depois do princípio de sua expansão. Foram mais 200 milhões de anos para o surgimento das primeiras estrelas, 500 milhões para o surgimento das galáxias e 5 bilhões para o surgimento de nosso sistema solar, cujo centro é ocupado por uma estrela de maior proximidade, e eixo gravitacional.
Neste eixo gravitacional estipula-se uma órbita de 5 bilhões de quilômetros, no qual centenas de corpo celestes circulam em virtude de sua força gravitacional, ao redor desta estrela batizada de ‘Sol’, incluindo planetas, satélites naturais e asteróides. Todos estes planetas e corpos respeitam as mesmas leis físicas de coesão atômica, gravidade eletromagnetismo e a deterioração nuclear, possuindo elementos químicos diversos e de mesma natureza distribuídos de forma e proporções diferentes, e, de acordo com a temperatura, até em estados físicos diferentes. Sendo o terceiro planeta em ordem de proximidade do sol, a Terra (nome dado ao nosso planeta) possui raio geral aproximado de 6.371 km (o que representa em magnitude algo proporcional a 7,24 x 10²¹ do universo), e, estima-se que exista há pelo menos 4,54 bilhões de anos. O planeta leva vinte e quatro horas (unidade sexagesimal utilizada para quantificar o tempo) para dar uma volta completa sobre si mesma. Leva 365 voltas completas sobre si mesma e mais seis horas para completar uma volta ao redor do Sol, centro do sistema planetário do qual faz parte, movimentos semelhantes repetidos pelos demais corpos celestes, adequados às suas proporções e distância relativa do centro do sistema.
Apesar de qualquer especulação que seja feita, ou teorias lógicas, não existe nada para supor em contrário ao fato de surgimento de vida em outro lugar, mesmo considerando-se as extensões e dimensões do universo mensurável. Até o presente momento, somente o terceiro planeta em proximidade à estrela sol daquela galáxia que é chamada láctea apresenta traços de vida consciente, apesar de traços de água e microrganismos encontrados por sondas e imagens de satélite. Por milhões de anos de calmaria, o planeta foi se adaptando e ajustando, produzindo nutrientes, resfriando metais, adensando partículas gasosas e ajustando cada vez mais partículas e substâncias complexas ao ponto de gerar os primeiros organismos unicelulares, seguindo num ciclo para formar estruturars cada vez mais intricadas. Assim sendo, os fósseis microbióticos mais antigos a surgirem da ‘sopa primordial’ (abiogênese) em 3,5 bilhões de anos, antes mesmo da gigantesca e única placa tectônica que hoje compõe os seis continentes se formasse. Seguindo num processo constante e ainda corrente de evolução para a sobrevivência de genes mais fortes e preservação da espécie, cada vez mais organismos vão surgindo, mutando e estabelecendo estruturas cada vez mais complexas. Com o passar dos anos vão surgindo novas espécies até algo entre dezenas de milhares e até milhões de espécies de animais, plantas, fungos, protozoários, arquéia e bactérias (mesmo que se discuta sobre os vírus e sua posição e condição na configuração de ser vivente ou mera unidade replicadora de ADN ou Ácido DesoxirriboNucleico), todos com estruturas celulares baseadas em carbono, definindo-se pela capacidade de produção do próprio alimento dos seres primários das cadeias e ciclos alimentares (fotossíntese), assim como a capacidade e variabilidade reprodutiva (assexuada para espécies com menor variação genética, e sexuada para espécies com maior adaptabilidade evolutiva). Desde seres unicelulares com ciclos de vida de horas até estruturas mais complexas com períodos de vida de séculos, a vida habita em todos os elementos, por toda a parte, em todo canto do planeta, mesmo, bem, nos ‘cantos’ de outras formas de vida (ignorando-se uma reflexão mais filosófica e contemplativa sobre o termo vida, existência e seu sentido mais amplo, arbitrando-se o ponto lógico de estruturas celulares minimamente complexas e com capacidade de reprodução). Por exemplo, estima-se que existam 6,7 bilhões de seres humanos no planeta, assim como também se estima que três vezes este valor seja o equivalente de bactérias e demais microrganismos presentes no corpo humano. Em UM corpo humano. O ser humano é considerado um mamífero complexo, talvez até o mais complexo e o ápice da cadeia alimentar, dada sua quantidade de células e sistemas (imunológico, cardio-respiratório, digestivo, neuronal, reprodutivo, entre outros), que se reproduz de forma sexuada, dependendo da união de dois gametas, o masculino (espermatozóide) e feminino (óvulo), desenvolvendo-se de forma embrionária. Cada mililitro (0,001 L) de sêmen contém aproximadamente 100.000 espermatozóides, que podem durar até uma semana em seu ambiente, e até três dias fora dele. O óvulo, por outro lado, mede aproximadamente de 100 a 200 μm (ou 1 x 10⁻⁶m ou 0,000.006m), e diferentemente do organismo masculino que os produz e repõem diariamente e sempre prontos para fecundação e geração de vida, o organismo feminino durante os ciclos menstruais renova os óvulos e possui períodos ou janelas propícios para a concepção. A gestação de um ser humano leva um período de nove meses, ou 40 semanas em média, oscilando devido a estímulos e fatores internos. Após o período de gestação, o recém nascido ser humano leva um período de adaptação e amadurecimento, para o desenvolvimento e crescimento tanto celular quanto junto ao quórum e sociedade na qual se estabelece – sendo este último bastante lento e duradouro, em virtude de convenções sociais que requerem uma extensa graduação num sistema educacional dividido por módulos durante anos até a chegada de certa idade quando em busca tanto de independência quanto uma posição e lugar sociais, e tais quais os demais animais, a jovem criatura tem de aprender a sobreviver por conta própria, buscar seu próprio alimento e viver em sociedade, e continuar o ciclo de preservação, subsistência, reprodução e aprendizado para garantir a manutenção do ciclo.
Outras sociedades, em menor escala, como formigas e abelhas, trabalham de forma rítmica para a manutenção da ordem e de seu crescimento ordenado. Cada pequeno e mínimo operário fazendo o fluxo e funcionamento do organismo maior, do coletivo. O agrupamento e junção de células (aproximadamente entre 1 a 10 μm), e moléculas, de acordo com seus átomos (consistindo a unidade básica da matéria, com diâmetro variável entre 62 a 520 picometros, que corresponde a 1 x 10¹² m), e, subseqüentes partículas subatômicas nêutrons e prótons que constituem a base e núcleo atômico (que variam entre 1,6 e 15 fentometros, que corresponde a 1 x 10¹ m), e os elétrons (com massa normalmente 1836 vezes menor que a do próton) orbitando constantemente como satélites naturais a estes cernes. De forma semelhante, nestes encontram-se os quarks (partícula elementar e fundamental constituinte da matéria), que também agem carregando as forças fundamentais (gravidade, eletromagnetismo, coesão nuclear e deterioração atômica). Cada corpo, partícula e sub-partícula agindo e funcionando como uma parte de algo maior, algo mais preciso e complexo no funcionamento concreto de todas as coisas.
No grande esquema das coisas que se define e garante que cada engrenagem que vira e se liga a próxima e a próxima ainda após esta, para fazer com que algo muito mais complexo de uma escala maior que a sua, funcione. De forma semelhante com o ordenamento de todas as coisas, em escalas maiores ou menores que esta, em proporções que excedem e suplantam a razão. Os corpos celestes que rodopiam no cosmo e contornam vastos espaços ao redor de outros corpos celestes maiores, assim como os elétrons ao redor dos núcleos de prótons e nêutrons. Padrões repetidos em escalas variadas. Tudo em sincronia harmônica, movendo-se e agindo de acordo com seu lugar e sua noção e consciência do universo. Dos macros e micros.
Não parecia uma mensagem, era mais como poesia. Versos confusos e mau escritos, sem rimas, e com uma função estética, talvez mais importante que o conteúdo em si. Mesmo assim ele leu. Duas, três vezes, e se emocionou com aquilo. Era uma leitura difícil, letras pequenas e muita informação para uma mente destreinada para leitura. Não importava.
Não com as linhas tortas em si, e sim com algo que a muito ele não sente... Esperança. Afinal de contas, não estava mais sozinho. E num mundo de silêncio e sem palavras, alguns breves sibilos rascunhados e pichando paredes eram quase um grito. Um zeitgeist.
Se tem algo que podemos aprender na vida, é que qualquer idiota bem intencionado pode usar milhões de palavras sem dizer coisa alguma, promover inflamados discursos em nome de suas causas sem ao menos compreender do que está falando. Em silêncio, por mais que tentemos, por mais que nos esforcemos, não conseguimos deixar de ser nós mesmos. Não somos capazes de mentir sem palavras.
E somente no completo silêncio podemos apreciar e realmente valorizar a presença das palavras.

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